Atos políticos por Cláudia

Por Cidinha da Silva


A morte de Cláudia da Silva Ferreira, baleada e arrastada por um carro de polícia, movimentou as águas primevas da lagoa de Nanã que habita todas as mulheres negras. Águas que irrigam a terra e formarão o barro que iniciará a vida dos seres. Águas paradas, aparentemente, mas plenas de mistérios e convulsões.

A morte de Cláudia reverbera como sino em corações e mentes atormentados, aturdidos. Em resposta, as águas pretas, na forma de pequenos igarapés tomam a rua.  Somos Todas Cláudias! Todas as que estão na linha de frente com canetas, teclados, microfones, pincéis, panfletos, câmeras, tambores, barracas de camelô, celulares, corpos negros, corpos de negras. E as que estão na retaguarda, a lavar, passar, cozinhar, coser, cuidar e cuidar. Avós, mães, tias, primas, as mais simples e trabalhadoras mulheres. Corpos negros, corpos de negras. Somos Todas Cláudias!

A Paixão de Cláudia não comove o mundo. Seu calvário configura apenas mais um corpo negro, corpo de negra, arrastado sob o olhar desracializado das pessoas comuns que pagam impostos, gozam de segurança particular e passaporte constitucional para transitar pelas ruas de favelas e bairros ricos com liberdade.

Mas as mulheres negras saem às ruas, convocadas por Cris Pereira, em Brasília, e por Renata Felinto, em São Paulo. Artistas do canto e da plasticidade visual, desconhecidas pelas clássicas organizações políticas.

Sinais de tempos novos, de estratégias de mobilização que reinventam o sentido da atuação coletiva. Que inscrevem o poder criativo como ponto de pauta, patamar de luta. Que mobilizam as águas da transformação. Oxalá o clássico saiba reconhecer e potencializar o novo como herdeiro legítimo. Oxalá não tema a passagem do bastão. 

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