O poeta e letrista Salgado Maranhão lança 'A cor da palavra'

(Deu no Jornal do Brasil, por Alvaro Costa e Silva). RIO DE JANEIRO - A cor da palavra – cujo lançamento será nesta quarta-feira, a partir das 19h, no Espaço Finep, na Praia do Flamengo, com direito a canjas musicais – reúne a obra inteira reunida (sete livros) e a fortuna crítica de Salgado Maranhão. Nesta entrevista, o também letrista – parceiro de Paulinho da Viola, Élton Medeiros, Ivan Lins, entre outros – fala sobre influências, afinidades, tendências. “A boa poesia surge da diversidade e não de um jeito único de apresentar o novo”, define. Como fazer a distinção entre poema e letra de música? O poema é, normalmente, mais econômico no uso das palavras, porque a poesia diz muito com pouco. Embora haja poemas tão discursivos que chegam quase a virar prosa. Mas nestes o elemento poético se expressa muito mais pelo encantamento do que pela economia verbal. A letra precisa da música para se realizar. Muitas vezes, um texto simples funciona muito bem numa canção, mas não resiste à página em branco. E como fazer a aproximação entre os dois? Sempre que tentam aproximar essas duas vertentes do discurso poético surgem conflitos. Tentam hierarquizar o poema em relação à letra, esquecem que cada forma de expressão tem suas próprias regras. Nem sempre um bom poema funciona numa canção. Do mesmo modo, uma letra frágil perde o seu sentido fora da música. O importante é deixar cada coisa em seu lugar. Como é o seu processo de criação? Completamente aleatório e necessita de privacidade. Quando cheguei ao Rio, e ainda não tinha onde morar, tomava um ônibus circular, na Glória, onde estava hospedado, e ia até o Leblon e voltava, sentado do lado da janela, para olhar o cinema das ruas. No meu caso, a poesia pede um certo corpo a corpo com a realidade, uma atitude de capturador das sensações secretas do cotidiano. Você gosta de sonetos... Não é uma preferência, mas sua forma sucinta é um bom exercício para um poeta que aprecie a concisão. No entanto, tenho um número muito pequeno de sonetos. A razão disso é o fato de não querer banalizá-lo, não querer transformar a forma em fórmula. Versos de Valéry, Murilo Mendes, Herberto Helder, Stevens, Mario Sá-Carneiro são usados como epígrafes de suas obras. Em que medida você se sente próximo deles? Você elencou um maravilhoso panteón de ídolos para mim: são todos eles e mais Homero, Dante, Baudelaire, Drummond, Pessoa, Paul Celan e Ferreira Gullar. Todo poeta que se preze caminha sobre o legado de uma legião de monstros. Quem são os seus interlocutores (dentro e fora da sua geração)? Na minha geração dialogo com Geraldo Carneiro, Antônio Cícero, Claudia Ahimsa, Luís Augusto Cassas e Carlos Dimuro. Fora da minha geração, é com meu conterrâneo Ferreira Gullar, que, de tão lúcido na sua percepção da vida e da arte, transcende a barreira das gerações. Por que os poetas têm a necessidade de formar grupos que, invariavelmente, não se dão com outros grupos? A poesia se nutre de tradições e rupturas. Diante disso existem duas formas de agrupamento: os que se juntam para buscar o novo, e os que se unem para preservar a zona de conforto conquistada. É natural que desse imbróglio surjam rixas. Há o ditado popular: “Em casa que não tem pão, todos brigam e ninguém tem razão”. Pelo fato de a comida ser pouca e o espaço reduzido, cada um quer conquistar um pedaço do pão e da luz. Costumo dizer que, se poesia desse dinheiro, haveria um serial killer em toda esquina. Como anda a poesia africana, a qual você conhece tão bem? A meu ver, a poesia da periferia do mundo é o que há de novo, atualmente. Trata-se de uma poética que, sem ter nada de panfletário, carrega uma tensão sintática rascante, de escolhas verbais inusitadas. Destaco, principalmente, os poetas de Angola e Cabo Verde. Fazem uma poesia culta, sem tutelagens conceituais. E a poesia que se faz hoje no Brasil? Caminha para uma multiplicidade de estilos, fruto de diversos conceitos que se partiram nas últimas décadas, e cada pedaço seguiu seu próprio rumo. Mas isto não é ruim. A boa poesia surge da diversidade e não de um jeito único de apresentar o novo. Aliás, o novo que antes de nascer já tem slogan não é novo. Com o advento da internet, o ato de escrever tornou-se um turbilhão incontrolável que explode em todas as direções e, em que pese haver muita coisa sem qualidade, quem tiver, de fato, o que dizer e souber dizer, vai sobressair. Até que ponto a poesia se ajusta ao contexto do mundo atual? O mundo nunca precisou tanto de poesia como agora. E, de certo modo, ela está sendo feita, apesar todas as limitações e imposturas. O que ainda não se encontrou foi um jeito de fazê-la alcançar as pessoas em todos os níveis, no mais profundo do seu entendimento.

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