O terremoto no Haiti trouxe mais violações e gestações indesejadas

(Por Maye Primera Enviada especial a Porto Príncipe - Haiti). "O índice de gestações na área metropolitana de Porto Príncipe subiu e 4% para 12% As parturientes que não gritam no Hospital Isaïe Jeanty de Porto Príncipe, cantam. Cantam a primeira coisa que lhes vem à garganta. Cantam "konpa", esse ritmo entre a "soka" e o "reggae" que tanto toca na rádio haitiana e que os candidatos usam para buscar votos. Cantam caídas ao chão, nos corredores. Cantam até merecer, a poucos minutos de trazer mais um filho ao mundo, uma das seis únicas camas que há na sala de partos. Depois, com a criança, vem o silêncio. E se não houver complicações depois de seis horas, estão de volta à rua, buscando uma maneira de voltar para casa. Após o terremoto de janeiro passado, a música se multiplicou nas maternidades da capital haitiana. Nos últimos dez meses o índice anual de gravidezes na área metropolitana de Porto Príncipe, a mais afetada pelo terremoto, aumentou de 4% para 12%, de acordo com os números do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA na sigla em inglês). O Hospital Isaïe Jeanty está para arrebentar, e elas também. Há oito mulheres em trabalho de parto ainda sentadas na sala de espera, tentando ritmar a respiração. Outras seis estão no corredor, deitadas no chão, secando com um trapo o líquido que brota de seu corpo. Em condições normais, uma parturiente com cinco centímetros de dilatação estaria hospitalizada. Neste hospital sem leitos suficientes elas são deitadas quando atingem os oito cm de dilatação, quando a criança já está para nascer. Pelo menos não contraíram cólera. No centro para o tratamento da epidemia da Médicos Sem Fronteiras, que funciona no pátio do hospital, há todos os dias dez mulheres ligadas a bolsas de soro, nuas, com espasmos, vomitando. Quase todas perderam seus bebês. O doutor Felipe Rojas López, chileno de 27 anos, é um dos médicos que as atende: "As grávidas chegam aqui em condições muito ruins, e com esse nível de desidratação o fluxo de sangue para o feto é precário. Por isso a maioria dos bebês morre no útero e é preciso tirá-los". Os que nascem vivos sempre precisam ser reanimados; as mães dos que nascem mortos também. Mas nem para todas foi uma boa notícia a chegada de mais um filho à casa. "Cerca de dois terços dessas gravidezes são indesejadas. E em 1% dos casos houve violência sexual no momento da concepção", diz Igor Bosc, representante no Haiti do Fundo de População das Nações Unidas. Até 2005 a violação intrafamiliar não era considerada crime neste país. Para alguns dos homens haitianos que vivem nos acampamentos de refugiados, ainda não é. As violações de mulheres e meninas, enquanto vão às latrinas ou buscar água à noite, é cada vez mais frequente. O terremoto de 12 de janeiro destruiu a maior prisão do país e milhares de presos ficaram livres. Durante aquelas noites de janeiro os acampamentos estiveram mais inseguros que nunca. Mas a maioria das mulheres não admite que foi violada. Muitas nem sequer se atrevem a admitir que vivem em um refúgio, quando aos nove meses se registram na maternidade. Dão os endereços das casas que já não existem, as que desabaram durante o terremoto. Medianite Benjamin Paul, a enfermeira de plantão nesta segunda-feira à tarde no Isaïe Jeanty, faz o teste: tenta procurar uma mulher que viva em um acampamento entre as 14 novas mães que esperam para ir para casa. Volta com a resposta: "Preferem não dizer que vivem nos acampamentos porque têm vergonha. Sabem que as que vivem lá estão estigmatizadas e não querem sentir rejeição". Só Maigala Fiseme, 34 anos, os ombros cobertos por uma pele muito fina, diz que sim: ela vive no acampamento Boutillier, muito perto do bairro de Carrefour, onde sua casa desapareceu em 12 de janeiro. Maigala nunca trabalhou e seu parceiro - "Como poderia dizer?", pensa enquanto procura a palavra apropriada -, seu parceiro se dedica a remover escombros em busca de vigas, metais em geral que possa vender por peso. Este que vai ter seria seu terceiro filho, se os dois anteriores estivessem com ela: a primeira morreu há anos, muito pequena; o segundo vive com seu pai, fora do Haiti. Agora não lembra a sensação de quando soube que estava grávida. "Foi muito sofrimento, do corpo e da vida." E já decidiu como vai chamá-lo? Se for homem, Gerson. E se nascer menina, Maigardine. Esse é o único instante em que Maigala sorri". Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

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