A Luciana Genro, de mulher para mulher. Por Cidinha da Silva



Postado em 10 dez 2015
Ela
Ela

A atitude de discordar publicamente de uma mulher, tomada por outra do mesmo campo político, em tudo consciente do quanto é penoso para as mulheres construírem e consolidarem lugares públicos de emissão de voz, é complexa e arriscada.
Complexa porque somos sabedoras da inexistência da neutralidade de gênero. O escorregão de uma mulher é punido com mais rigor além de sofrer um tipo de escárnio só dirigido às mulheres em desgraça. Veja-se o exemplo da jornalista de sobrenome Leitão que muita gente, incluindo mulheres, troca por “burraleitão”. A pergunta que grita é: um homem de mesmo sobrenome e idêntica postura política receberia tratamento igualmente desdenhoso?
Arriscado porque podemos bater com mais força numa mulher por ser uma igual. Também porque um ataque frontal vindo de outra mulher pode ser tratado como uma luta de Telecath no gel, ou seja, como um espetáculo deprimente executado por mulheres para deleite dos machos, e não queremos isso, obviamente. Arriscado, além de todo o aspecto externo, por questões pessoais, pois há resquícios de machismo internalizado que podem se manifestar.
Mas enfrentemos a ágora, o debate do factoide político intentado por Luciana Genro. Cabe destacar que não fui sua eleitora, não compartilho de boa parte de suas ideias e argumentos, e ela não me convenceu como candidata à Presidência, contudo, estive pronta a defendê-la de todos os ataques machistas que sofreu durante a última campanha eleitoral.
O texto da ex-candidata do PSOL, partido do qual é um dos principais nomes, propõe eleições gerais para 2016, como reposta à crise política e, principalmente, como forma de o povo “expressar o seu descontentamento de forma direta, sem a intermediação de políticos e partidos golpistas, que se aproveitam da indignação popular para impor os seus interesses”. Ora, como alternativa ao golpe de direita, apresenta-se o golpe de esquerda e também um nome a ungir, por meio do atalho desse tipo de processo eleitoral oportunista e irresponsável, expressão cabal de um desejo umbilical de poder.
Imagino que deva causar muita insatisfação a uma mulher que trabalha no cotidiano da política partidária e nacional, que se esforça para produzir um discurso que reflita um projeto de país, como o faz Luciana Genro, assistir a um político como Ciro Gomes, ressurgir de alguma catacumba da iniciativa privada e ganhar holofotes como se nunca tivesse saído de cena. E mais, como possível redentor.
É assim com os homens! É assim com os caciques da política. Mas é enganoso pensar que os mesmos critérios de cessão de espaço midiático valerão para as mulheres. Não valem. Os factoides produzidos por elas não serão afinados pelo mesmo diapasão.
Outro aspecto paradoxal de uma mulher criticar outra é a expectativa das próprias mulheres. Quando somos representadas por nós mesmas, esperamos o melhor. A revisão dos vícios arraigados. A superação dos impasses das brigas intestinas pelo poder.
Nós admiramos gente como as Luisas Erundinas que serão imortalizadas por não utilizar as mesmas armas dos criticados caciques oligarcas. Que pagarão o preço do esquecimento nas grandes disputas eleitorais; que não serão convidadas para compor ministérios pelo partido que criaram. Que serão expulsas desse mesmo partido porque discordarão das diretrizes partidárias de maneira honesta e transparente. Serão mulheres imortalizadas por uma memória de integridade, serviço ao país e busca de coerência política.
O contrário disso, além das Kátias Abreu e sua cruzada pelo fim do “preconceito” contra o uso de agrotóxicos, aparece no discurso circular de Luciana Genro, manifesto no delírio febril de eleições gerais antecipadas. Uma proposta incendiária para agradar a gregos, troianos, felicianos, coxinhas assumidos, coxinhas enrustidos, à esquerda festiva e à esquerda discursiva, que ela representa tão bem.  Além do pessoal que fica em cima do muro esperando o vento definir para onde vai.
A convocação de eleições gerais para 2016 só é imperativa do ponto de vista de assemelhados a Michel Temer, donos de projetos personalistas para encurtar o caminho regulamentar de conquista de postos eletivos, em posição de titular, é bom que se diga.
Mas, do lado de cá, Jandira Feghali, que tem primado pelo exercício ético da política, pela defesa da constitucionalidade do atual mandato presidencial e pelo compromisso com a perspectiva republicana,  não se cansa de nos lembrar, política tem lado. Demarque o seu e pague o preço da escolha.
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Cidinha Silva
Sobre o Autor
Cidinha da Silva, mineira de Belo Horizonte, é escritora. Autora de "Racismo no Brasil e afetos correlatos" (2013) e "Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil" (2014), entre outros.

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