Retrospectiva em preto e branco, sem blackface!


Por Cidinha da Silva

Nos últimos cinco anos no Brasil, o debate racial vem ganhando a cena da vida comum, rompendo os limites dos movimentos sociais, notadamente do movimento negro clássico. O tema se expande e se consolida na agenda de direitos humanos, na perspectiva de garantia do direito fundamental de viver sem racismo.

Também os muros do debate acadêmico têm sido ultrapassados. O debate policial faz movimentos brandos de destaque do matiz de raça tão negado, mas, eficazmente acionado nas situações de arbítrio e violência que abatem 82 homens negros por dia e um número ascendente de mulheres negras, segundo informa o Mapa da violência 2015.

O principal responsável por evidenciar a supressão da vida da pessoa negra no país é o Movimento Negro em sua ação diuturna de enfrentamento ao racismo, em todas as instâncias, circunstâncias, espaços tradicionais e novos. Muitas vezes invisibilizado, negligenciado, mas, sempre ali, no front.

A novidade do momento são as redes sociais e seu caráter amplificador. Elas funcionam como teias e espalham fios que chegam a pessoas e lugares não imaginados. São blogues, contas no Twitter, perfis no Facebook, fanpages e outras redes que potencializam portais de notícias feitos pelo protagonismo negro. São ativos igualmente os coletivos virtuais que produzem intervenções diversas, de reflexões temáticas e produção de notícias à organização de manifestações públicas que arregimentam grande número de pessoas, como as marchas do orgulho crespo.

Aliado a isso, os portais com orientação política de esquerda e alguns periódicos digitais e impressos, também progressistas ou dedicados à defesa de direitos humanos têm dado abertura para a reflexão racial. Decorrem daí duas ações interessantes: a primeira, de acolhimento às novas incursões de seus próprios articulistas sobre o racismo, ou mesmo sugestão de pautas raciais a eles, de acordo com a temperatura da notícia. A segunda, materializada na cessão de espaço e até na contratação de pessoas negras (afrocentradas) como articulistas. Graças ao trabalho destas mulheres e homens, as vítimas das chacinas, negras e periféricas, têm saído da condição de meros corpos sem história engavetados no IML.

Mas é preciso ir além, pelo menos em quatro aspectos: a desnaturalização das práticas racistas; a qualificação e efetividade da denúncia; a criminalização da discriminação racial e a continuidade da atenção às denúncias quando se transformam em processos criminais contra práticas de racismo.

A imprensa digital de maneira equivocada (ou intencional?) tem se atido à superficialidade dos fatos, a aspectos politicamente corretos e ao potencial de comoção e convulsão de humores (refletidos nas curtidas e compartilhamentos) de casos de discriminação racial nas relações interpessoais, quase sempre no limiar da fofoca. São casos que envolvem artistas, celebridades e aspirantes a celebridades, ou pessoas comuns que, tanto na visão de certos órgãos noticiosos, quanto aos olhos da maioria dos comentadores on line, ganham verniz celebrativo porque migram do anonimato da vida ordinária para as milhares de visualizações na tela dos aparelhos digitais.  

Por outro lado, o espaço para debater o racismo em suas dimensões institucionais e estruturais na sociedade brasileira, por exemplo, a atenção necessária aos mecanismos que determinam nossa passividade frente ao genocídio da população negra, tem sido, intencionalmente, me parece, insuficiente.  Pífio, mesmo.

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