Atualização da agenda literária




Por Cidinha da Silva

Os dias têm sido bons, mas tudo acontece no tempo delirante da execução dos propósitos e de registro insuficiente da reflexão sobre eles, depois de realizados. Mas, disponho aqui alguns azulejos do mosaico.

1 – As experiências recentes em São Paulo (Iná Livros e Terça Afro) reiteraram a necessidade de continuar investindo na formação de público negro. Algo prazeroso, também, mas é preciso explorar melhor a presença da gente, potencializá-la. Articular mais público, no mínimo.

Lembro-me que uma vez trombei o Ferréz em São Francisco Xavier, numa charmosa feira literária de que participávamos. O escritor de Capão Pecado me contava de um evento recente, do qual participara graciosamente, feito por amigos e que tinha uma assistência pequena. Sabedora de como o povo do Hip Hop lida com grandes números, perguntei quantas pessoas havia e ele respondeu: “quase nada, umas 80, 100”.

Cada um com seu quinhão, pensei. Alguns trabalham com milhares, outros com centenas, mas, menos do que uma dezena, uma dezena e meia é muito pouco. E, mobilizar público é responsabilidade de quem promove encontros. É trabalho! Não pode ser uma reunião de amigos e, se for, é bom que seja avisado, para que avaliemos se queremos ou não.

Quando estou organizando algo, mobilizo muito, mas, quando sou convidada, ou, principalmente, quando ofereço meu trabalho não-remunerado a alguns grupos, por acreditar na necessidade de formação de público negro, não quero e não posso ter o mesmo trabalho que tenho quando estou à frente da organização.

Se for para me deslocar até grupos muito pequenos, posso me ater a reuniões na casa de amigos, em comum acordo e restrito a pessoas próximas. Diferente disso é o trabalho de formação de público que deve envolver grupos maiores. Trabalho! Investimento de tempo de mobilização e outros recursos.

2 – Voltar à FLIP 10 anos depois foi muito legal. Tinha estado lá em 2006 quando lancei a primeira edição do Tridente. Fui com uma mochila cheia de livros, sem saber direito o que iria encontrar. Vi várias coisas no telão e paguei para ver outras, entre elas, a palestra de Toni Morrison. Inesquecível! Ao ouvi-la sobre como se pensava como escritora negra e que tinha como tema preferencial a vida dos negros estadunidenses, definiu-se o que na minha cabeça era só uma nuvem de ideia: a mulher negra que sou apareceria de maneira afrocentrada em minha produção literária tratasse do que tratasse. E, a partir disso (como escolha, sem imposições), só liberdade criativa! Liberdade! Liberdade!

Fui agora em 2016, de maneira oficial, como participante convidada da extra-oficialidade. Da Casa Libre & Nuvem de Livros, convidada a abordar o tema “violência racial, violência social” em evento temático sobre “violência e cultura do medo”. Estar na mesma programação de “estrelas” como Leonardo Boff e Marcelo Freixo e ao lado de companheiros como Renato Noguera e a senadora Janete Bezerra.

Casa cheia, público atento. Jovens, educadoras/es, ativistas políticas/os, leitoras/es e um grupo de adolescentes secundaristas de Uberlândia (MG), dos quais me tornei amiga de infância. Explico: ao fim do debate, na hora das insuportáveis selfies (desculpem, mas eu acho insuportável) rolou também uma conversa muito agradável, na qual trocamos confidências sobre esse período difícil da vida que é terminar o ensino médio e escolher uma profissão “para a vida toda”.

O livro Sobre-viventes!, minha publicação mais recente, só poderia ser comprada nas livrarias locais, uma delas localizada há duas ruas da Casa Libre, mas a moçada queria ficar ali, conversando. E queriam autógrafos, embora não tivesse livros em mãos. Então sacaram marcadores de livros (quem gosta de ler tem mania de recolhê-los e até de colecioná-los) e quiseram que eu os autografasse e, um a um, autografei 10 marcadores. Enquanto não fomos gentilmente convidados a nos movermos da frente da mesa imaginária porque a próxima atividade precisava começar, nos tornamos amigos de infância.

E o debate em si? A qualidade do debate? Ah... as perguntas são as mesmas que me fazem há 30 anos repaginadas pelos exemplos e vivências das novas gerações. É a única diferença. Isso demonstra, obviamente, a eficácia da opressão racista no Brasil que não permite que saiamos do lugar, que tenhamos um patamar mínimo de compreensão da operacionalidade do racismo para iniciar qualquer discussão. Essa parte desgasta e desanima, mas, conquistar amizades de infância é coisa boa.

3 – Quando fui indagada pelo Grupo Intelectuais Negras (UFRJ) sobre minha disponibilidade de agenda no dia 2 de julho, respondi que estaria pelas terras fluminenses participando da OFF FLIP. Fui convidada, então, para lançar o livro novo numa atividade em Oswaldo Cruz, bairro mundialmente famoso pelo samba bom que lá se faz. Eu que tenho Madureira, vizinha de Oswaldo, como parte do cenário de Kuami, um dos meus livros, aceitei feliz. Ao me inteirar da campanha “Vista nossa palavra – FLIP 2016”, desenvolvida pelo grupo para tencionar a ausência de escritoras negras numa edição da FLIP dedicada a uma mulher, Ana Cristina Cesar, e composta por 40% de mulheres nas mesas principais, pensei como poderia colaborar.

Primeiro, doei exemplares de O mar de Manu para a biblioteca de escola pública em Costa Barros (bairro onde 5 jovens negros foram fuzilados com 111 tiros quando voltavam de uma pizzaria em que comemoravam o primeiro emprego de um deles), para o trabalho de (re) conhecimento de autoras negras que o Grupo Intelectuais Negras realizou/realiza com as crianças do território.

Segundo, ofertei oficinas de criação literária ao grupo, a realizar em Oswaldo Cruz e na UFRJ. Como resultado, desenvolvi atividade na instituição carioca ocupada pelos estudantes, no dia 04 de julho, em que assassinaram dentro do campus, Diego Vieira Machado, jovem gay e negro, estudante da universidade, que há muito sofria ameaças homofóbicas via telefone e Web.

Rolou também um lançamento do Sobre-viventes! com leituras e debate descontraído, fruto da articulação do Grupo Intelectuais Negras e do DEGENERA. Um detalhe importante é que precisei solicitar mais livros à editora, porque os que tinha se esgotaram na roda de conversa em Oswaldo Cruz, feita por várias escritoras, educadoras, ativistas e estudantes.

4 – De volta a Salvador, na UFBA, participei do esperançoso debate “Eu mereço ser amada”, organizado pelo Grupo de Pesquisa Corpus Dissidente, em parceria com as professoras Lívia Natália e Elizabeth Hordge Freeman. Foi fantástico! Auditório cheio, 150 pessoas interessadas e formuladoras de questões instigantes, profundas, criativas, abrangentes. 90% de jovens, gente com menos de 30 anos; 85% de mulheres; algumas mulheres mais velhas atentas ao que a juventude está pensando; muitas meninas lésbicas, muitos meninos gays, quase todos negros. Todo mundo querendo pensar o amor.

Que bom! Entre todas as coisas boas tive a alegria de receber a notícia de que um grupo de pesquisa da UESC tem se debruçado sobre o meu Baú de miudezas, sol e chuva. Quero visitá-los tão logo me convidem. Também fiquei bem na fita, fotografada por Louise Queiroz.

Os próximos movimentos da agenda serão feitos em Campinas, quem estiver pelas imediações apareça.

Dia 10/07, domingo, participo da feijoada e sarau da Frente de Mulheres Negras de Campinas e região, no Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Campinas. Salve a pioneira na luta pelos direitos trabalhistas das domésticas, Dona Laudelina de Campos Melo.

Dia 11/07, segunda-feira, às 19:30 no IBAÔ (Instituto Baobá) componho uma roda de conversa com Diane Lima e Alê Gama, chamada Leituras invisíveis (Rua Ema, 170. Bairro Nóbrega).

Dia 12/07, terça-feira, às 16:30, divido a mesa Literatura Afro-brasileira com o amigo Ricardo Aleixo, na programação do 20º COLE – Congresso de Leitura do Brasil / Nas dobras do (im) possível (Auditório II – CDC / UNICAMP). Às 18:30, no mesmo dia, lanço o Sobre-viventes! na Casa do Lago / UNICAMP.

Espero por vocês!

Foto: Louise Queiroz

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