Chimamanda Adichie e a indústria cultural

Uma mulher igbo dirigiu o próprio carro até um posto de gasolina no dia em que os empregados foram dispensados para participar de uma festa tradicional no vilarejo de origem. Chegando lá, a motorista inexperiente estacionou o carro do lado oposto ao orifício da bomba. Os atendentes riam enquanto a mulher aguardava o serviço. A filha, então, desligando-se do celular, baixou o vidro e disse bem alto: minha mãe não é burra, minha mãe é rica. Todo mundo ali dominava os códigos daquela sociedade onde manda quem pode e obedece quem tem juízo, o gerente entrou em cena, deu bom dia a young lady e apressou-se para manejar o carro. Madame acertou os óculos escuros na testa e largou o volante acompanhada pela pequena feminista. Talvez a guria conhecesse a escritora Chimamanda Ngozi Adichie, igbo, companheira de classe na alta sociedade nigeriana, quem sabe até tenha assistido algum TED da autora para se inspirar? Contudo, é improvável que conhecesse Buchi Emecheta, também igbo e escritora, mas “cidadã de segunda classe”, resgatada do esquecimento literário pelas mãos de Chimamanda. Por que escrevo sobre Chimamanda hoje? Porque ela esteve no Roda Viva da noite anterior e isso movimenta a vertente noticiosa da indústria cultural. Nas redes sociais comenta-se sobre o perfil das entrevistadoras e as ausências literárias; o quanto não se falou sobre literatura com uma escritora e nem sobre sua particular criação artística. O jornal El País publicou uma matéria grande e substantiva sobre a autora e eu escrevo esta crônica, por quê? Porque Chimamanda é notícia e assim funciona a indústria. Abordar sua produção literária, mesmo consagrada e premiada, é irrelevante para impulsionar a venda de seus livros (inclusive os de literatura), para a geração de audiência (para a TV e canais digitais que abrigarão o programa), para a geração de mídia espontânea (gratuita, portanto) para ela, para a TV, para a banca de entrevistadoras e para a empresa editorial que publica seus livros no Brasil. Por óbvio, isso não diminui as partes envolvidas na cena sob qualquer ângulo de leitura, apenas recoloca os parafusos na engrenagem da indústria cultural.

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