O santo

Não tinha rolado jogo, treino, nada, mas a patela resolveu apitar no meio da noite. Como um bandeirinha na marca do impedimento, com a bandeira em riste até que a juíza a veja, enfrente a situação e cumpra as regras do jogo.
Era assim, a condromalácia rangia e gemia, ela que costumava ser compassiva, resignada a incomodar. A dona do joelho, contudo, sempre exigente com o corpitcho generoso, desconsiderava os efeitos de dois anos pandêmicos de mais quilogramas e sedentarismo, sem qualquer exercício de fortalecimento muscular dirigido. A dor era novidade, o nível do problema só causava limitação para realizar alguns movimentos, mas doer, não doía, por isso ela não sabia o que fazer. Dorzinha chata, de espantar o sono. Então veio a ideia de recorrer ao Santo, de fazer uma benzeção que afastasse a dor e lhe permitisse dormir. O lap top, velho companheiro de guerra, descansava ao pé da cama. O time do coração estava em alta, fora campeão depois de 50 anos, notícias sobre ele não faltavam e no bojo do sucesso ressuscitaram o Santo para honrar suas glórias. Na tela, ela recorreu aos mantras de sempre, as decisões de 1977, 1978, 1979, o Santo em campo, morto ao olhar dos adversários, mas aos olhos de seus fiéis, o adoxado, o renascido, pronto para decidir. A santíssima trindade, o Santo, Cerezo e a torcida, consciente de sua predestinação. Ver aquele homem jogando bola sempre a fazia chorar, de alegria, de comoção, de dor junto com ele, e não foi diferente naquela madrugada. A força da oração foi tomando conta dela, o mantra, o canto, o manto vocal da torcida. Até que ela se curvou à fé, aquela que faz toda a nação alvinegra torcer contra o vento se a camisa do Galo estiver no varal. E então a oração explodiu em ação lenitiva: REI, REI, REI, REINALDO É NOSSO REI! REI, REI, REI, REINALDO É NOSSO REI! Que ânimo teria uma condromalácia nível um, diante das infiltrações no joelho do Santo e de meniscos arrancados a boticão? Nenhuma! REI, REI, REI, REINALDO É NOSSO REI! REI, REI, REI, REINALDO É NOSSO REI! REI, REI, REI, REINALDO É NOSSO REI

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