Benedita Gouveia Damasceno e a poesia negra no Modernismo brasileiro

Embora o tom da matéria seja o mesmo de uma revista Caras católica, vale a pena ler, há coisas interessantes, principalmente as referências a um livro importante tão pouco divulgado entre nós: "A poesia negra no Modernismo brasileiro". (Entrevista concedida a Tamara Oliveira, para a Revista Vida em Edimburgo/ Escocia, 23 de outubro de 2008). "Aos sete anos de idade foi humilhada pelo segurança do Jockey Clube de sua cidade por estar apenas na porta do clube observando a dita High Society a entrar no local para um baile de carnaval.”Isso aqui não é lugar para uma crioula,pobre como você!“Falou o segurança à época. ` Aos doze anos, recebeu um grande conselho do “sábio” diretor da escola na qual estudara.” Benedita, você já sabe ler e escrever, é melhor você tirar esse tempo que você vem para escola para trabalhar em alguma casa de família, afinal você é preta e pobre para quê tanto estudo?“aconselhou o diretor da Escola na qual a negra “faminta” pelo saber estudava.Como consolo o diretor ofereceu a própria casa para a pobre menina trabalhar. A negra “aceitou” o conselho do diretor da escola, e dividia seu tempo trabalhando como empregada doméstica, ajudando seu pai a vender pipoca nas ruas da cidade de Paracatu/MG e exercendo a profissão que ela mais gostava: a de aluna do Ginásio da Escola Estadual Antônio Carlos. “Passava a madrugada estudando a luz de velas, esse era o único tempo que eu tinha para estudar”, relembrou Benedita. A Benedita citada acima não é nenhuma personagem criada pelo autor de novelas Gilberto Braga, mas sim, uma mulher de carne e osso, chamada Benedita Gouveia Damasceno Simonetti, escritora , funcionária do Itamaraty que passou por poucas e boas na chamada escola da vida. Nascida em 29 de junho, na cidade de Paracatu/MG. Filha de Cenira de Oliveira Damasceno e Jose Gouveia Damasceno, funcionário do Departamento de Estradas e Rodagens –DER , que completava a baixa renda familiar vendendo pipocas , Bene (como é carinhosamente chamada pelos amigos), desde muito nova, foi obrigada a pegar no batente. “Éramos uma família grande, 10 filhos (8 mulheres e 2 homens), praticamente sem recursos financeiros“,relembrou Simonetti que aos sete anos de idade começou a ajudar o pai na carrocinha de pipoca. “Ele fazia a pipoca e eu enchia os saquinhos e fazia o troco“, contou. Além das profissões citadas acima a filha de seu “Zé Pipoqueiro”, também teve outras árduas ocupações: vendeu pastéis em campo de futebol, vendeu doces pelas ruas da cidade com tabuleiro na cabeça, foi babá, capinou quintal por empreitada. “Fazia tudo isso, mas sempre com um pensamento fixo: não era nada daquilo que eu gostaria de fazer a vida inteira. Cedo percebi que havia apenas uma maneira para sair dali e essa estrada passava pelos estudos e pelo saber”, frisou Benedita que sempre teve um alto grau de compromisso com os estudos e seus objetivos. O esforço pessoal da ex-empregada doméstica pode ser comprovado , quando esta saiu de sua terra natal em 1972, para cursar Letras, na Universidade de Brasília (UnB), uma das universidades mais conceituadas do Brasil. Em 1976 foi admitida como Oficial de Chancelaria do Serviço Exterior no Ministério das Relações Exteriores , após ser aprovada em um concorrido concurso público naquela instituição. Como escritora teve seu livro Poesia Negra no Modernismo Brasileiro(Editora: Pontes) ,traduzido para o italiano, francês, espanhol. No lançamento da versão francesa, do Poesia Negra no Modernismo Brasileiro que aconteceu no A I´Espace Harmattan em Paris, além da presença maciça de intelectuais, estudantes das mais diferentes nacionalidades o evento contou ainda com a presença do consagrado escritor brasileiro, Luis Fernando Veríssimo. Bem aceito e muito discutido em algumas instituições de ensino superior em países como: Itália, Franca, Espanha. Poesia Negra no Modernismo Brasileiro, não é um romance, mas uma pesquisa feita pela autora durante seu curso de Mestrado na Universidade de Brasília (UnB). “É uma outra visão do papel do negro na cultura brasileira, não é mais restrita ao samba, carnaval e candomblé. O livro é um exemplo de que os negros brasileiros , estão pouco a pouco deixando de ser apenas objetos de pesquisa e estão começando a ser sujeitos do seu próprio universo”, explicou a autora. Casada com o cineasta italiano, Julianno Simonetti (vocês querem saber onde foi a recepção do casamento? Pois é, no próprio Jockey Clube de Paracatu!), mãe de Lara (19) e Lory (15), Benedita já morou nos mais distintos países representando o Brasil; Angola, Itália, Jamaica, Nigéria, Inglaterra ,neste último além de ocupar o cargo de Oficial de Chancelaria na Embaixada do Brasil em Londres, lecionou vários cursos sobre a História do Negro no Brasil no extinto Brazilian Contemporary Arts London. Atualmente é responsável pelo Setor Cultural da Embaixada do Brasil na Cidade da Guatemala/ Guatemala. “Hoje Paracatu-MG recebe Dita ou Bene, assim tratada carinhosamente por seus conterrâneos ! Seu exemplo de persistência, autoconfiança, determinismo,a faz presente como membro da Academia de Letras do Noroeste de Minas. Um espaço exclusivo e individual para uma pessoa que muito tem a ensinar aos paracatuenses. Talvez seja esta a maneira de deixar Benedita viva em sua terra natal, talvez seja está a maneira que Paracatu encontrou de se desculpar pelos preconceitos- que não foram poucos- defendidos por uma sociedade na época que duvidava das potencialidades dos seres humanos”,ressaltou Lara Andreia Santana, afilhada da escritora. Enquanto o Brasil não explora devidamente os conhecimentos desta sumidade chamada Benedita Gouveia Damasceno Simonetti, os estrangeiros os fazem. “Nunca fomos ricos, mas sempre tivemos conforto. Minha mãe sempre nos incentivou a estudar e a ler. Nunca tivemos carro de luxo,roupa de marcas, mas sempre tivemos e temos muitas ricas enciclopédias e livros por todos os cantos de nossa casa. A curiosidade sempre se fez presente em nossas vidas porque minha mãe sempre influenciou a mim e a minha irmã Lory a procurar formas de respostas para nossas dúvidas”, falou Lara Simonetti , filha mais velha de Benedita que atualmente cursa o segundo ano de Direito na Universidade de Oxford. Voltando a pergunta do diretor da escola para Benedita o porquê de querer estudar: Certamente Deus e os anos se encarregaram da resposta para o “sábio” diretor. Era simplesmente para ser uma das poucas mães brasileiras a ter a honra de ter uma filha estudando em uma das universidades mais conceituadas do mundo. Com muita simplicidade a Revista Vida, apresenta a história de vida dessa mulher, negra e batalhadora e é com muito prazer que nós profissionais deste veículo de comunicação enchemos nossos peitos de orgulho e agradecemos a essa mulher iluminada por Deus pela entrevista".

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