O impostor (texto inédito)

Pela milionésima vez, não é clone, minha senhora, é dublê. O texto se chama “Dublê de Ogum”. Não é “Clone de Ogum”, como a senhora insiste em dizer. O quê? É tudo a mesma coisa? Oh Deus, dai-me forças e paciência! Dublê é uma coisa, clone é outra. O dublê é um imitador, um substituto que voluntariamente se passa por outro. Não vê esses filmes de ação? Sempre há substituto do ator principal nas cenas mais perigosas. É um similar, um genérico, mas não é O cara e todo mundo tem consciência disso. Já um clone é matéria de mais ciência e complexidade. Implica mexer no material genético do sujeito clonado. A senhora acha possível clonar uma força da natureza? O vento, um raio, a luz do Sol, a força das águas, do fogo, a lava de um vulcão? Não clona. A sabedoria humana não alcança a centelha divina que mora no âmago genético das forças da natureza. Compreende? Parece que não. Como a senhora é insistente. Vamos ver se explicando de outro modo a senhora entende. A senhora tem alguma coisa contra a autora? Não, não tem. Muito bem. Tem-lhe grande apreço, por sinal. Ótimo. A senhora quer o bem dela, presumo? Sim, sim! Quer vê-la feliz, saltitante e sorridente. Maravilha. Sendo assim, a senhora não iria indispô-la contra uma força da natureza, certo? Não precisa fazer essa carinha, eu explico. Seria mais ou menos assim: sabedora de que o fogo é inclonável, a senhora não vai dizer a ele que tem uma autora por aí metida a fazer fogo com a fricção das palavras, não é mesmo, dona encrenca, digo, senhora? Nem dirá a um rio que uma cientista qualquer descobriu o segredo da nascente das águas e passará a produzir rios e mares, de todos os tipos e tamanhos, inclusive com espuma cheirosa e afrodisíaca para o banho? A senhora não faria isso. Faria? Não, não faria. Entendeu porque a história é de um dublê (um imitador, substituto eventual) e não de um clone? Como, não importa? A senhora está brincando comigo, gastei todo meu latim para lhe explicar... O importante é que a história é boa? Como assim? A senhora quer fazer intriga da autora com as forças da natureza? Instaurar a fofoca, o ciúme, a inveja, a maledicência no seio de uma família feliz? O quê? Seu clone é uma liberdade poética com o dublê dela? A senhora é livre e clona quem quiser? A senhora é uma irresponsável, isso é o que é. Clonar Ogum é uma temeridade. Segure sua cabeça bem firme em cima do pescoço. Olha que ele vem aí para lhe cobrar satisfações. Ah... a senhora não acha temerário? Acha que é uma subversão literária? Espere minha senhora, explique isso direito, agora deu um nó na minha cabeça. O ser humano também é uma força da natureza, mesmo desconectada da ãnima da criação. Sei, interessante, continue, por favor. Tem dentro de si a força, a beleza e o encanto, mas também o poder de destruição de um vento forte, de uma água destemperada, do fogo descontrolado, de um vulcão em atividade, a precisão avassaladora de um raio. Pode ser dublê e pode ser clone, a depender do estado de espírito e dos olhos de quem lê. O importante é que a história seja boa.

Comentários

Luciana Matias disse…
Adorei!
Abraços.
Luciana matias

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