Eletrocardiograma da audiência 2

DEPOIS DOS 100 DIAS EM 1994, NOS QUAIS AS MILÍCIAS HUTUS MASSACRARAM ENTRE 800 MIL E UM MILHÃO DE TUTSIS EM RUANDA, depois de enterrado o que sobrou dos corpos dilacerados, restava reconstruir o país em meio ao ódio, medo, ressentimento, dores de toda sorte, talvez remorso. Algo que precisa ser reiterado no conflito étnico neste país africano é a atuação implacável do imperialismo europeu como fomentador do ódio entre as pessoas para lucrar ao máximo com o extrativismo econômico. Muita gente negra jovem que se formou como “liderança política” pelas redes sociais, não soube de Ruanda 1994 de maneira apropriada, talvez tenha visto alguma notícia pelos filmes de Hollywood feitos logo a seguir. Faltou às escolas ensinarem sobre Ruanda, faltou a nós, estudarmos sobre Ruanda para não tripudiarmos sobre o corpo vivo, conflituoso e contraditório de Karol Conka, a mulher negra da vez, exposta ao apedrejamento. Algo que não pode ser esquecido nessa edição do famigerado BBB é a habilidade cirúrgica do império global para manipular nossas vidas, da opinião pública favorável às atrocidades da ditadura civil-militar (1964-1984), opinião alheia ou amenizadora a depender das necessidades do momento, até processos eleitorais (exemplo da eleição presidencial de 1989), passando por temas do cotidiano abordados nas telenovelas, no Jornal Nacional, no Fantástico. O entretenimento do programa consiste em fomentar a destruição entre as pessoas. A indústria do setor do lado de fora do confinamento de competidores em uma casa durante a quarentena da pandemia de Covid 19 explora todos os sentimentos mórbidos e adoecidos da audiência, uma gente que só quer retomar sua vida (com todas as hierarquizações raciais, de gênero e sexualidade de sempre). Mas enquanto isso não é possível, é lucrativo manipular os ânimos pela promoção de batalhas sangrentas, cancelamentos, linchamentos, já que (por enquanto) ainda é proibido enforcar pessoas em espetáculos públicos nas praças. Chegou a vez dos pretos! Eles não acham que estão se tornando sujeitos de direitos na sociedade brasileira? As mulheres negras não se acham as empoderadas donas do pedaço? Bora levá-los para a vitrine e mostrar a eles que as regras do jogo não mudaram. Na história do Brasil, a inclusão daqueles do andar de baixo sempre foi subordinada, decidida pelas elites do andar de cima. Bora demonstrar que as mudanças são costuradas pelo alto como estratégia de manutenção das coisas nos lugares que sempre estiveram. Ruanda, depois do massacre de 1994, estabeleceu os tribunais de conciliação baseados no costume ruandês de discutir os problemas na comunidade. Assim, todos os hutus civis que deram suporte à ação das milícias precisaram ouvir à exaustão as dores dos tutsis que conseguiram sobreviver. E tiveram de encarar toda a covardia e desumanidade que se apossou de seus corpos enquanto eliminavam corpos-irmãos. Houve eleições e nunca se viu no mundo um parlamento com tantas mulheres eleitas, às quais se entregou a missão de restituir a humanidade ao país. A lógica branca é “farinha pouca, meu pirão primeiro” e ela é aplicada também por nós em busca de um milhão e meio de reais. A ética ancestral negra é: “onde come um, comem dois”, não nos esqueçamos.

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