Adeus, Winnie Mandela!
Por Cidinha da Silva


Em dezembro de 2013, no primeiro dia do velório de Nelson Mandela em Joanesburgo, o estádio Soccer City  silenciou quando Winnie Mandela, ex-esposa do Madiba, aproximou-se de Graça Machel, a viúva. As duas não se falavam, estavam rompidas, se ignoravam, contudo, Winnie, cumprindo o ritual fúnebre beijou Graça, abraçou-a longamente e deu outro beijo ao final. Depois sentou-se no lugar de honra que também lhe era reservado.

Winnie era amada pelo povo sulafricano e gozava de extremo respeito no CNA – Congresso Nacional Africano, seu partido, principalmente por parte dos jovens de diferentes gerações. O nome originário de Winnie era Nonzamo Winifred Madikizela.  Nonzamo, na língua dos Xhosa, seu povo, significa “provação, aquela que na vida atravessará muitas provas, também no sentido dos processos judiciais”.

O destino de seu nome se realizou e Winnie passou por inúmeras provas a vida inteira e esteve na liderança de processos fundamentais pelo fim do apartheid. Desde 1958, quando casou-se com Mandela foi reiteradamente detida e esteve sob banimento e prisão domiciliar por longos anos. Em 1977 foi arrancada de casa em Soweto junto com a filha Zindzi e levada para o banimento em Brandford, lugar que batizou como “sua pequena Sibéria”. Nesta localidade ela sequer dominava a língua nativa (Shona). A polícia construiu uma imagem de Winnie como “comunista perigosa”, com quem os moradores estavam proibidos de se comunicar, sob pena de serem presos. Nem as crianças poderiam se relacionar com Zindzi. Winnie, com seu radar político dizia: “quando eles me mandam para o desterro, não me consideram um indivíduo. Imaginam que, junto comigo, também podem banir as idéias políticas. Não me poderiam prestar maior homenagem”.

Os enfrentamentos de Winnie ao apartheid eram cotidianos, diuturnos, além do trabalho nos grandes confrontos judiciais, diplomacia internacional e organização de massivas manifestações pelo fim do apartheid. Um exemplo “singelo” foi a batalha para que negros pudessem entrar numa rede de lojas para consumir. “Quando uma negra queria comprar numa loja como a Foshini, era preciso ficar esperando na porta da loja, apontar para o vestido que lhe interessava e pedir licença para vê-lo. A vendedora tirava o vestido do cabide e o levava até a porta. Era impensável admitir que uma negra pudesse entrar na loja e pegar num vestido que depois poderia ser tocado por uma branca. Essas coisas parecem insignificantes, mas exatamente por isso são tão humilhantes, constituem uma afronta à dignidade humana”.

Um dia Winnie simplesmente entrou na loja e apontou o vestido desejado para a filha. Tentaram expulsá-la do recinto para esperar que o vestido fosse levado até ela do lado de fora da loja. Ela discutiu com a vendedora em inglês. A polícia foi chamada e também a polícia de segurança do Estado, porque aquela era uma ameaça concreta de quebra da ordem racista. Fora da loja, umas cem pessoas negras a aguardavam.  Daí em diante a Foshini foi boicotada pelos negros.

Winnie nunca pode acompanhar as filhas no primeiro dia de aula, nem conversar com suas professoras. Um parente ou amigo a representava, porque pessoas banidas não podiam entrar em escolas.

Sobre a vida com Mandela antes da longa prisão por 27 anos, ela dizia: “A vida com ele sempre foi uma vida sem ele. Ele tinha de correr para milhares de reuniões e compromissos. Por vezes mal tinha tempo de me levar para casa, e já partia de novo. Nunca admitiu que eu exigisse dele um ‘extra’ do seu tempo. Cuidava naturalmente de que alguém fosse me buscar no local de trabalho e me levasse em casa, mesmo quando passávamos uma semana sem nos ver. Mas era tudo. Não tinha com ele nem o mais furtivo romance. Para isso não havia realmente tempo.”

A reputação de Winnie foi atacada sistematicamente ao longo da vida. Ela dizia: “numa organização clandestina é muito fácil acabar com as pessoas prejudicando sua reputação. Foi exatamente isso que tentaram fazer comigo. Diziam que Mandela afinal estava velho, que eu era jovem demais para ele; que sendo bonita, atraente e me vestindo com elegância, eu preferia homens mais moços. Nelson me prevenira para tudo isso ”.

Antes do Levante de Soweto, Winnie chegou a ter sobre si, 99 acusações formais de “corromper a juventude do país”, porque, na verdade, os liderava e incutia neles o espírito da luta pela liberdade, ao tempo em que eram informados de sua própria história que o apartheid aniquilava.

Winnie Mandela pontificou no velório do Madiba que, se sua luta pela liberdade de Nelson Mandela não tivesse existido, talvez o mundo não conhecesse o símbolo  Mandela. Talvez ele tivesse apodrecido na cadeia, como os chefes do apartheid pretendiam.

Que os passarinhos cantem e as flores se abram. Que as borboletas sigam à sua frente. A Rainha Nonzamo voltou ao mundo primordial.


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