Lara, o eu laraiá é lindo!
Por Cidinha da Silva
Ela é do Império, não é
da Portela; frequenta a Vila, mas mora em Madureira. É uma dama, uma estrela,
tremenda partideira, anunciou Marthinho da Vila antes de chamar Dona Ivone Lara
ao palco.
É por isso que a gente se
lembra também de Dona Jovelina Pérola Negra:
Deixa comigo / eu seguro o pagode / não deixo cair / sei vacilar / sei
me exibir / só vim mostrar o que aprendi.
E Dona Ivone se mostrou
ainda criança, compositora desde os 12 anos, dona de uma das vozes mais
melodiosas da MPB. Junto com Clementina de Jesus e Vó Maria, Dona Ivone fazia
aquela ligação profunda e loquaz com o final do século XIX e início do XX
quando Tia Ciata e seus seguidores levaram o samba da Bahia para o Rio de
Janeiro. Quando as memórias da
escravidão ainda eram tão próximas, já que, vívidas são até hoje.
Mas Dona Ivone não era
de falar de dor, transformou tudo em música e jogou o que poderia ser
sofrimento para o alto. Falou de amor como poucas, embalou nossas dores. Fez de nossos desenganos notas musicais.
Acalentou nossos amores, espalhou esperança e sonho pelo mundo. O samba de Dona Ivone é um samba esperançoso,
a gente ouve e não tem vontade de cortar os pulsos, mesmo desiludida. Os sambas de seu repertório fazem a gente querer
amar de novo, mesmo sabendo que no final os amores sempre doem. Dona Ivone, pela beleza de suas canções de
amor não nos deixa desistir de amar. Seu
canto e suas composições insistem: vale a pena amar, sonhar e ter esperança.
Sorriso negro é um hino que aqueceu e
aquece o coração de muitas gerações de pessoas negras, principalmente daquelas
ligadas ao ativismo político de 1970 a 1990. Um sorriso negro/ um abraço negro
traz felicidade / Negro sem emprego / fica sem sossego / Negro é a raiz da
liberdade / .Negro é uma cor de respeito / Negro é inspiração / Negro é
silêncio, é luto / Negro é a solidão...
Para a senhora, Dona Ivone, dedicamos,
agradecidas, nosso maior sorriso negro.
Lamento informar, mas
quem viveu o século XX e não viu Dona Ivone Lara no palco, quem não a viu
sambar miudinho pelo menos uma vez, não ficou em dúvida se ela incorporava ou
não uma Preta Velha em pleno palco, viveu uma vida incompleta. Digo isso para
não ser implacável com essa pobre alma que, na verdade, não viveu.
Agora é conviver com a
saudade deixar que ela nos revire pelo avesso, que revire nosso avesso.
Lá vai Dona Ivone no
balanço cadenciado de 97 anos bem vividos rumo ao país dos ancestrais. Usa
sapato baixo, não mais o salto alto e largo que a sustentou até os oitenta e pouco anos. Foi amada,
reconhecida, deixou frutos e um grande legado, como deve ser. Morrer assim é
natural da vida. Não há tristeza, só saudade e sambas divinos para cantar e
relembrar.
Obrigada, querida
Rainha, senhora da melodia. Madureira, forever!
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