Componentes do livro novo (4): o prefácio

Sei que havia prometido falar sobre o título do livro nesta postagem, mas chegou o prefácio na minha caixa postal e mudei de ideia, falarei sobre ele.
Em primeiro lugar, agradeço ao prefaciador, cujo nome seguirá em segredo por mais alguns dias. Prefaciar uma obra é exercício de generosidade, principalmente quando o pedido nasce da gente, as próprias autoras ou as editoras de menor porte, que não têm condição econômica ou às vezes não têm por hábito o pagamento de prefácios e orelhas (hábito que pode mudar, diga-se).
As editoras de grande porte pagam aos prefaciadores e orelhistas e acho justíssimo que isso aconteça, contudo, para a gente do lado de cá da ponte editorial, que toca a vida e resolve necessidades pela ética da brodagem, um prefácio dado de bom coração é mais do que uma benção. Então, meu prefaciador querido, mais uma vez, muito obrigada.
Não pensem que é fácil. Associar seu nome, construído a duras penas, ao nome de alguém prefaciado pode se revelar uma canoa furada. Eu morro de medo de pedir prefácio a alguém e de não ter texto a ser prefaciado. Tenho pânico, mesmo. Porque um prefaciador tarimbado consegue ser elegante sem se comprometer, consegue dizer coisas epiteliais já que o texto não permite aprofundamentos. Como escritora, me sinto muito triste ao ler tais prefácios e tenho pavor disso vir a acontecer comigo. Felizmente, não ocorreu dessa vez (nem nas anteriores, cumpri-me a sinceridade), o texto permitiu ao prefaciador dizer coisas interessantes. Instigantes.
Por isso mesmo, compreendo quando potenciais prefaciadores se preservam e dizem não, recusam-se a prefaciar, abrindo exceção, obviamente, para os casos em que são remunerados.
Tem um potencial prefaciador que persigo (perseguia, creio que nossas tentativas terminaram na última negativa, embora a amizade continue) e que me disse dois nãos marcantes. O primeiro foi ao meu primeiro livro e ali, estava mais do que nítido que o não tinha a ver com o fato de meu livro não estar à altura dele. Muito justo.
Então, cresci. Passei a escrever melhor e um dia, numa conversa de bar, um amigo comentou que teria o livro prefaciado pelo tal prefaciador. Não perdi a chance de destilar minha mágoa e disse que o livro do amigo deveria ser bom mesmo, porque ao meu o prefaciador se negara a prefaciar.
O prefaciador, ali sentado conosco, muito hábil, argumentou que naquele momento não teria sido bom para mim associar meu nome ao dele. Sorri, descrente. Sabia que era o contrário, ele não julgava bom associar seu nome consolidado ao meu, ainda capenga.
Naquela troca de farpas e afagos ele disse que teria muita alegria em prefaciar um livro de inéditos (venho publicando em papel coisas já divulgadas em portais de notícias e outras mídias). Eu disse que não bastava ser um livro de inéditos. Quando fosse um livro à altura dele eu o procuraria.
Fiz o tal livro de inéditos que julguei à altura do prefaciador e o procurei. Ele me recebeu afetuosamente, como de hábito, me explicou uma série de questões de operacionalização do cotidiano, pelas quais passava. Isso lhe deixava com pouco tempo e cabeça para aceitar outros compromissos e me pediu duas semanas para avaliar se faria ou não o prefácio.
Sou paciente, embora como os peixes, às vezes morra pela boca. Aguardei.
Findo o período recebi a resposta de que não seria mesmo possível prefaciar. Em que pese a veracidade das justificativas apresentadas de antemão para o possível (provável) não, me parecem ter sido definitivas duas coisas: a primeira é que esse escritor olha para os lados e vê seus colegas de mesmo tamanho e alguns até menores sendo remunerados por prefácios e orelhas. Por que ele não seria? Por que autoras e suas editoras ainda acham que podem se dirigir a ele pedindo para que trabalhe de graça? Ele está certo. Certíssimo. Se não formos nós a estabelecer as condições adequados para nosso próprio trabalho, é pouco provável que as pessoas de fora o façam.
Esse motivo tiro de letra, mas o segundo incomoda um pouquinho e liga-se à certeza de que se o livro fosse um "livrão", se o prefaciador o considerasse uma coisa bem legal, depois de duas semanas em que deve ter dado boas folheadas no livro para avaliar se o prefaciaria ou não, ele arranjaria um tempo para associar seu nome ao meu porque isso poderia lhe acrescentar alguma coisa. Por ora, continua não acrescentando nada e, nesse caso, pelo menos, aprendi a não mais morrer pela boca.
Viu quanta coisa a gente pode aprender ao fazer livro? Quanta coisa das relações humanas, das relações de poder? Quantas confirmações de que a brogadem (na prática) pode ser um jeito de deixar a gente mais feliz?
Vivas à brodagem! E aos nãos sinceros.

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