Porcina e Clara Claridade
Porcina é yang. Clara, yin. Uma, a roda, a outra, a caçamba. Uma trabalha de dia, a outra, à noite. São irmãs de pista e dividem fraternalmente o ponto. Fazem também encaminhamento de clientes, dependendo da especialidade. Uma faz isso, outra faz aquilo e assim se complementam.
Estávamos tão acostumadas a vê-las juntas, unha e cutícula. Só que agora, Clara morreu e Porcina sumiu. Está foragida, para usar os termos da lei.
Porcina, como é de conhecimento público, aplicava silicone como ninguém. Agulha esterilizada, digo, nova, luvas, uma tolha limpa e esparadrapos para isolar a área do implante. Litros e litros aplicados nas meninas todas. Uma ficha impecável. Na Clara mesmo, aquela seria a quinta vez que ela implantava. Uma fatalidade. Entretanto, a polícia não compreende.
A Clara queria fazer o show da vida, mais estonteante do que aquele carnaval da Mocidade, o Ziriguidum 2001. Resolveu aumentar os peitos. Demos conselho, dissemos que ela se transmutaria num chester, mas Clara insistia. Parecia que a gente tava tendo uma premonição. Ela ensaiava, punha a roupa da outra Clara e soltava a voz: “morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela”... Era uma beleza de ver.
Clara marcou a aplicação com a Porcina e lá foram as duas pro consultório. Silicone comprado, pesado. Seringa cheia, mãos enluvadas, área marcada com hidrocor rosa e a Clara irradiando felicidade. Porcina certeira, como sempre, mas a autópsia disse que a Clara tinha uma artéria torta e foi por ali que o silicone entrou, no cano errado, e o sangue não chegou mais ao coração. Ela estrebuchou e morreu, nas mãos da Porcina.
A Porcina fugiu só com a bolsa e a roupa do corpo. Muito triste isso. Perder duas amigas de uma vez só. (Do livro novo: "Você me deixe, viu? Eu vou bater meu tambor!" Ilustração: Lia Maria)
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