A menina e a bicicleta
Por Cidinha da Silva
O ano era 2114 e pai e filha
passavam em revista, acessórios bizarros utilizados pelos humanos em séculos
anteriores. Na seção dos escritores havia canetas, lápis, borracha, apontador,
bloco de notas, caderno pautado e o mais intrigante, uma máquina de escrever.
O pai explicava à criança o funcionamento
de cada coisa e esforçava-se para dar à menina uma ideia do que era uma mão,
duas mãos, dez dedos, já que aquele povo não tinha mãos. Eles decidiram
aboli-las depois de tudo de ruim que presenciaram os terráqueos manipulando com
as próprias.
Depois a dupla deslocou-se até a
seção de diversões. Encontraram uma bicicleta. A menina escrutinava o guidão,
os pedais, o banco, as rodas, rodava os aros e deliciava-se com aqueles
desenhos bonitos e indescritíveis que só os aros das bicicletas sabem fazer.
Mais tarde, na seção de
instrumentos de tortura encontraram uma tranca de bicicleta. O pai já pensava
em avisar aos educadores do museu que havia uma peça no lugar errado, quando a
filha chamou sua atenção e juntos leram a descrição do objeto: “tranca de
bicicleta – no século XX foi usada pelos humanos para fixar a bicicleta em
postes ou outros locais enquanto não a utilizavam. No século XXI, alguns
humanos deram-lhe outro uso. Passaram a empregá-la para prender o pescoço de
garotos negros a postes (principalmente no país chamado Brasil), depois de
espancá-los e ferir à faca, alegando a constituição de exemplo positivo para
que outros rapazes iguais àquele, preso nu ao poste, não infringissem a lei dos
brancos.”
O passeio pelo museu perdeu a
graça para pai e filha. Agora precisavam pensar e visitas a museus são boas
para isso: o que foi mesmo a humanidade no século XXI?
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