Após pressão, tema da Parada LGBT de São Paulo muda e pela primeira vez dá visibilidade ao grupo trans


Pela primeira vez, uma manifestação pública muda o tema e contempla a sigla T

Uma petição online com mais de seis mil assinaturas causou polêmica ao pedir para que o tema daParada do Orgulho LGBT [Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais] de São Paulo em 2014 fosse mudado e que, diferente dos últimos 17 anos, desse visibilidade aos assuntos pertencentes às identidades trans do Brasil. Sobretudo, ao PL 5002/2013, conhecido como Lei João W Nery, que visa reconhecer a identidade de gênero de travestis e transexuais [saiba mais abaixo]. Depois da pressão nas redes sociais – as trans diziam que eram invisibilizadas pelo evento e que somente as questões gays eram defendidas pela Parada - pela primeira vez uma manifestação muda o tema e finalmente contempla a sigla T. 

Inicialmente, a direção da Parada comunicou em nota oficial que o tema não poderia ser mudado, mas que daria um trio sobre o assunto. Depois, organizou uma reunião com ativistas na tarde desta quarta-feira, 19, recuou e entrou em um consenso. Foi decidido, então, que o tema “País vencedor é País sem Homofobia. Chega de Mortes! Criminalização já” fosse alterado para “País vencedor é país sem HomoLesboTransFobia! Pela aprovação da Lei de Identidade de Gênero Já”. 

Analista de sistemas, feminista trans e responsável pela petição, Daniela Andrade afirma que além da homofobia é preciso se atentar também para a transfobia. “Se a gente não falar em transfobia, as pessoas esquecem que sofremos opressões que as pessoas gays, bissexuais e lésbicas cisgêneros não sofrem. Por exemplo, temos notícias de gays que foram arrancados de dentro do banheiro onde foram lavar as mãos ou fazer as mesmas necessidades que os demais? Não. Já as trans sofrem com esse tipo de preconceito”. 

Ágatha Lima, militante do Conselho Estadual LGBT de São Paulo, diz que a mudança é um importante passo, uma vez que as manifestações geralmente focam na questão gay e que as pessoas trans acabam sendo invisibilizadas e esquecidas. “Muitos ainda segregam o título de Parada Gay, mas a verba e a visibilidade são para todos LGBT. Nas Paradas, vemos quase 70% dos homens gays [cis] sem camisas, mas as trans não podem se manifestar assim, pois são vistas como vulgares, mas essas pessoas esquecem de se perguntar que para a lei atual ainda somos vistas como homens. E que isso precisa ser mudado”, defende Ágatha, que comemora a visibilidade conquistada. “Hoje, as pessoas trans estão em festa por essa inclusão”.

A REUNIÃO

A reunião ocorreu na sede da APOGLBT, na Praça da República, em São Paulo, às 18h30, com cerca de 30 pessoas, dentre elas militantes como Daniela, Dennis Mitchell, Kimberly Luciana Dias, Brunna Valin, Bianca Mahafe e Marcia Lima, e organizadores da parada, como o presidente da associação Fernando Quaresma, Adriana da Silva, entre outros. 

“Primeiro, parecia mais uma briga de partido, foi defendido o tema anterior, tivemos momentos de debate intenso e de muitas cobranças ao segmento T. Mas entramos num consenso e o acordo vencido foi o da luta que já havia se iniciado na internet. Foi uma conquista porque antes nos cobravam escolaridade, participação nos espaços... E, hoje que fazemos isso, queremos visibilidade”, defende Brunna Valin, orientadora sócio-educativa do Centro de Referência da Diversidade. 

A assistente social Fernanda Moraes diz que foi entendido que um dos maiores eventos do Brasil “contribuiria para que as autoridades do mundo pensassem na questão trans. “Muitos ainda não perceberam que saíamos faz tempo do ‘armário’, armário este que nos colava na posição de coadjuvantes no movimento social organizado, que nos colocava na posição de inferiores. Antes, o discurso era de que pessoas trans não tinham estudo, não tinham nível superior, mas essa realidade mudou e cada vez mais temos pessoas trans em diversos espaços e trabalhando em diversos governos estaduais e municipais. Hoje, é preciso que comecem a falar Parada LGBT ou Parada da Diversidade Sexual, pois as paradas são para todos e frequentadas por todos". 

A direção da APOGLBT ainda não se manifestou sobre o novo tema. 

“SE A LEI DE IDENTIDADE DE GÊNERO FOR APROVADA, FACILITARÁ PARA DESENTERRAR A PL 122”

Transhomem que dá nome ao PL 5002/2013, João W. Nery – um dos pioneiros do segmento e autor do livro Viagem Solitária - diz que a organização da Parada LGBT de São Paulo acertou em concordar com a reivindicação do grupo trans. “Estava mais que na hora de reconhecer e dar importância aos TT, já que a Parada continua GGG. Até porque, se a lei for aprovada, facilitará para desenterrar a PL 122 [projeto que visava criminalizar a homofobia no Brasil e que foi apensado ao projeto de reforma do Código Penal e saiu da pauta do Legislativo]. 

Sobre o projeto de lei 5002, João afirma que significa tudo para os trans, a liberação e o reconhecimento da cidadania. “Ele garante o direito do reconhecimento à identidade de gênero de todas as pessoas trans no Brasil, sem a necessidade de autorização judicial, laudos médicos ou psicológicos, cirurgias, hormonioterapias. Ele preserva o histórico, assegura o acesso à saúde no processo de transexualização, despatologiza as pessoas trans e preserva o direito à família frente às mudanças registrais. Propõe assim, que a psicoterapia só seja feita caso o interessado assim o desejar”.

O projeto foi feito pelo deputado federal Jean Wyllys [PSOL-RJ] em co-autoria com a deputada federal Erika Kokay [PT-DF], com base na experiência da Lei da Identidade de Gênero na Argentina. 

Confira abaixo, algumas das montagens feitas por Dennis Mitchell que circularam pelo Facebook: 



 

João Nery apoiou a manifestação que pedia a mudança do tema da Parada LGBT

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