A menina linda


por Cidinha da Silva*

Era daquelas meninas bonitas até no berçário de recém-nascidos. À medida em que foi crescendo tornou-se uma bebê linda, menina linda, mulher linda. Todo mundo pasmava, reconhecia e elogiava. Pode-se dizer que ela se acostumara a ser bonita desde pequena e acolhia os elogios com naturalidade e simpatia.

Um dia formou-se professora de artes e foi estagiar em escola pública. No primeiro dia de aulas não cabia em si de alegria. Teria uma professora negra muito boa de diálogo como orientadora e um montão de crianças negras e mestiças, mais umas tantas crianças brancas, sorriam para as atividades desenvolvidas pela nova professora nova.

Ao final do turno, as mais afetivas foram beijá-la e ela retribuía o carinho pensando consigo que se empenharia para que todos os dias fossem únicos e mágicos como aquele. A última criança da fila, uma menina vivaz, penteada como bailarina russa, perguntou baixinho: professora, posso te falar uma coisa? Lógico que sim, querida, conta! Ela respondeu enquanto se agachava para ouvir a menina, que tocou levemente um de seus dreads, curiosa, como são as crianças e confessou: você é muito bonita apesar da sua cor.

Um balde de chumbo caiu sobre sua cabeça, o sorriso desapareceu, uma ruga tomou conta da testa e ela não desabou no buraco aberto no chão porque a professora titular se aproximou tocando o ombro da criança e desfocando a cena. Disse entre serena e triste: a professora já ouviu, Ruth. Pode ir, até amanhã.

Por que tem que ser assim? Por que a felicidade da mulher negra precisa ser guerreira, sempre? A colega mais velha, tarimbada, lia pensamentos nesses casos. Não tem que ser, minha irmã. Não tem que ser o que? Ela pergunta quase chorando. Não precisa ser guerreira na sala de aula, aqui você é professora. Mas como não? Você ouviu o que ela me disse? Sim, como não ouviria? Eu estava tão animada, agora toca a transformar o incidente em situação pedagógica, mudar todo o meu planejamento. Não precisa. Precisa, sim. Estou dizendo que não. Só se você quiser, se tiver forças para isso. Se não quiser, continue seu planejamento. Haverá um momento não doído para você em que será possível conversar com a Ruth e com a turma. Sem que ela se sinta exposta, de uma forma que ela possa ser tocada para a transformação. Quer um conselho? Continue linda e seja um ótimo exemplo para essa meninada. Com calma você achará um jeito de incluir essa história no curso de uma atividade e potencializá-la para que a turma cresça. São crianças! Elas têm tempo e você também.

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escritora, Cidinha da Silva mantém a coluna semanal Dublê de Ogum.

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