Letramento racial - a saga!
Por Cidinha da Silva
Escrever uma crônica é algo
trabalhoso, pelo menos para mim. Escrever textos opinativos sobre temas
diversos, não. A técnica minha consiste em listar os aspectos que julgo
importantes abordar, as contradições que não podem escapar à análise e mando
bala, emito minha opinião sobre as coisas do mundo.
A crônica é diferente. Não basta, para escrevê-la, expressar opiniões baseadas argumentos sustentáveis e\ou consistentes. A crônica é peça literária
(o papo de que ela é um gênero menor nem me faz cócegas), como tal, exige
estilo, sofisticação linguística, muitas vezes camuflada por um tufo de grama
no jardim, novidade para apresentar o óbvio, perspicácia para flagrar o
inusitado no instante comum, o belo no cotidiano de cimento, fumaça,
burocracia, teclas e telas digitais. Se puder fazer tudo isso com fortes doses
de poesia, tanto melhor.
Feita a distinção, comunico que
iniciarei uma série de pequenos textos opinativos numerados, delimitados também
por data e horário, intitulada Letramento racial. Como não dou ponto sem nó e
não trabalho sem projeto, a série possivelmente culminará em um livrinho daqui
a algum tempo. Esta decisão está lastreada por dois sentimentos: o primeiro, a exaustão
por ser obrigada a continuar escrevendo sobre racismo, branquitude e
privilégios raciais. Pensei que o livro Racismo no Brasil e afetos correlatos
me libertaria, qual nada, eles não descansam e não nos deixarão em paz. Sempre
que pequenos avanços e conquistas aconteçam, retomarão toda sorte de discursos
e atitudes de preservação dos privilégios raciais, como no caso da expulsão do
Grêmio Portoalegrense de uma competição esportiva, em decorrência de atitudes
racistas de um grupo de torcedores gremistas em jogo contra o Santos.
O segundo sentimento é a certeza
do papel social e político que desempenho como escritora negra que não pode se
furtar de continuar escrevendo sobre racismo, branquitude e privilégios raciais,
pelo menos até que esse estado de coisas mude de maneira substantiva. Mas, vou
fazê-lo da forma que me cause menos chateação e cansaço, em textos opinativos
curtos, escritos no calor da hora, sem o zelo e dedicação requeridos pela
crônica. Assim me vingo desses chatos e desse tema insuportável (e insuperável)
que insiste em nos esvaziar de humanidade, em aviltar nossa inteligência e
sensibilidade. Escreverei pílulas de letramento racial. É tudo o que terão de
mim, esses seres bestiais.
Comentários