Descolonizar a língua e radicalizar a margem



Produzir fortuna crítica sobre nossa literatura é algo fundamental, nos alça ao lugar de resenhável, criticável, nos atribui valor e nos aproxima daquilo que o cânone considera valorável.

Crítica boa e séria, sustentada, argumentada, é bálsamo para quem escreve, para mim, pelo menos. Vejam que não falo de elogios vazios e cheios de intenção, falo sobre argumentos, sobre destrinchar a costura do texto que oferece pano para a manga.

Esse texto de Taís Bravo é assim, deve ter me ajudado a ser premiada pela Biblioteca Nacional.


Descolonizar a língua e radicalizar a margem
Por Taís Bravo

"Vi Um Exu em Nova York pela primeira vez no evento Sapatão e Ficção. Naquela noite no Missipi Delta Blues Bar, a autora, Cidinha da Silva, participava de um bate-papo com Fernanda Vieira e mediação de Natalia Affonso. Lembro que gostei da conversa, principalmente do comentário crítico de Cidinha sobre uma representatividade rasa. Não queria falar sobre ser uma mulher negra que escreve ou uma mulher lésbica que escreve ou uma mulher que escreve. Queria poder apenas falar sobre o que escreve, livre das expectativas que nos limitam a uma identidade.

Cidinha da Silva parece nunca errar a mão. Com frases enxutas, inícios instigantes e finais certeiros, sua escrita é uma espécie de captura. Cada conto é como um retrato de uma personagem. Esses retratos podem mostrar eventos pontuais que deixam um rastro de mistério ou acontecimentos definitivos que alteram todos os tempos da história. Há, de modo geral, uma suspensão. As narrativas nos convocam não apenas pelo que contam, mas também pelo que fica de fora da captura. Aqui qualquer concepção positivista da realidade é rasgada. Dividimos as calçadas com os orixás. O inefável se faz de corpo presente. A inteligência vai muito além da racionalidade. E a nossa língua é viva.

A capacidade da escrita de Cidinha de transitar por espaços, línguas e contextos sociais diversos é notável a partir de suas referências: Filhos de Gandhy, Martin Luther King, Oxum, Oya, Natalia Borges Polesso, Audre Lorde, makotas, ebó, exuzilhamento. Essas são algumas das palavras, nomes, expressões que participam de suas mitopoéticas. Mais do que referências, tais termos, acredito, funcionam como uma espécie de filiação. Ao citá-los, Cidinha marca sua filiação a diferentes saberes, experiências e posicionamentos. E mais uma vez, afirma a diversidade de vidas que não cabem em nichos identitários, porque estão abertas a diferentes modos de resistência. Vidas que, uma vez excluídas do que é considerado como universal, acumulam não só experiências de opressão, mas também de potencialidades. Ou seja, vidas que radicalizam o que é estar à margem."

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