A ginga cronística de Cidinha da Silva


por Bianca Gonçalves

Esta semana terminei a leitura de O homem azul do deserto (Editora Malê, 2018), o mais recente livro de crônicas de Cidinha da Silva. Reencontrei-me com assuntos recentíssimos de nossa época: fake news superadas, a visita de Angela Davis no Brasil, a partida de Winnie Mandela e Luiz Melodia, o assassinato covarde de Marielle Franco. Também me encontrei com figuras do cotidiano alheio, mas que também poderiam ser do meu: o cobrador de ônibus que bordava, o homem da mudança, o homem da camisa vermelha e…o homem azul do deserto.

Em crônica de mesmo título, Cidinha atravessa o deserto das Áfricas brasileiras e se reencontra com um tuareg em plena Bahia. Numa espécie de carta endereçada a um “irmão”, a remetente relata o inesperado encontro com este membro do povo nômade que habita o Norte da África, conhecido por suas túnicas azuis. Prática incorrigível dos habitantes das diásporas africanas, ela procura nos traços do irmão semelhanças com um rosto berbere – cria-se, assim, uma nova origem: “tuareg do Vale do Jequitinhonha”.

Não por acaso, Marcos Antônio Alexandre, autor do prefácio, nomeia alguns dos textos de O homem azul de “crônicas-contos”. Híbridos textuais natos, nas crônicas de Cidinha a crítica se encontra com os instantâneos do cotidiano, resultando em belos retratos e perfis da nossa sociedade. Talvez um dos maiores méritos do estilo de Cidinha da Silva seja sua agilidade em transformar cenas corriqueiras em crônicas-contos primorosos, uma ginga cronística permeada de auto-ironia e humor, elementos tão caros ao bom e a boa cronista, e cada vez mais necessários nos tempos (e textos) de hoje.

Episódios da vida virtual são constantes no livro de Cidinha, especialmente aqueles que resultaram em polarizações aparentemente irrelevantes, mas que, com um olhar analítico habilidoso da cronista, revelam e assumem matizes sociais e políticos da nossa contemporaneidade brasileira. Como a repercussão de um viral falacioso, recuperada pela autora, acerca da morte do jogador Neymar (no dia da morte do arquiteto Niemeyer), que teria sido replicado por uma “celebridade em declínio” – piada prontíssima para o público habituado a perseguir nas redes:

"Ocorre que essa gente toda não postou lamento choroso em redes sociais. Essa gente, como a celebridade, frequentou uma escola que não ensina quem foi Niemeyer e é ela, a escola, o principal agente de formação sociocultural dessa galera, sem contar a TV. Deixem a moça em paz, o som dos nomes é mesmo parecido e quando a pessoa não tem qualquer noção de história da arte, troca um pelo outro sem esforço.

Ademais, Neymar é o maior produto de marketing da história do futebol brasileiro e um dos mais significativos do futebol mundial.

O burburinho não tem fundamento, é só mais um jeito de desancar a moça que aprendeu a ganhar a vida com a beleza do corpo e o balanço da bunda, como se ensina a tantas desde a tenra idade nos programas televisivos".

[Bianca Gonçalves é uma crítica de literatura com quem não tive mais do que 3 encontros acidentais na vida e 1 mais detido, quando participei de programação literária organizada por ela na USP. Gentilmente, Bianca produziu essa resenha que encorpa a fortuna crítica sobre minha obra, agradeço.

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