Muita saúde em sua vida longa, Lígia Fagundes Telles



Hoje, Lígia Fagundes Telles faz 97 anos. Comemoremos!

Sempre espirituosa, numa entrevista há alguns anos, em busca de uma metáfora para algo que explicava, ela perguntou à repórter: “Como é mesmo o nome daquela menina? Aquela menina que voa”… A grande escritora referia-se à ginasta campeã Daiane dos Santos.

Não sei se nesse mesmo momento, mas sei que os peitos de silicone estavam em alta (foi à volta de 2006), ela disse algo parecido com isso: “Essa coisa me assusta, parece um chester pulando co corpo, um naufrágio, uma coisa que transborda”.

Um caso do ano 2000 aconteceu com uma amiga, professora de português que havia levado um grupo de grande de adolescentes à Bienal do Livro de São Paulo. Depois de despachada a turma no ônibus gratuito que atendia ao evento, a amiga voltou ao espaço para ver os livros, fazer suas compras, mas, exausta, se jogou no chão e ficou quieta num canto até recuperar as forças. Eis que Lígia, caminhando por ali, a abordou com um sorriso generoso: “Você é professora, não é?” A amiga, não preciso dizer, ficou muda, emocionada sorriu de volta, mas não conseguiu trocar palavras com a escritora solidária.

Outro episódio mais recente foi contado em entrevista, Lígia voltava de sua caminhada diária e viu um casal fazendo sexo num jardim, próximo à sua casa. Tomada pela surpresa quedou-se olhando e o homem lhe disse: “Que foi? Tá olhando o que? Nunca viu?” Ao que Lígia respondeu de pronto: “Assim, não”! Acho que no contexto do caso ela avisava que se tratava de dois jovens de classe média, bem vestidos, não eram pessoas em situação de rua.

E a literatura de Lígia? Ela que é toda e o tempo todo construção de sentidos para a palavra. Tem aquele conto que sempre esqueço o nome. Um homem traído marca encontro com a ex-namorada e a leva para um cemitério a pretexto de oferecer um lugar tranquilo para conversarem. Depois a gente descobre que trata-se de um lugar abandonado. Esse cara deixa a mulher trancada num mausoléu e vai embora. Eu fiquei anos e anos sofrendo ao pensar como a moça teria morrido: picada por escorpiões ou cobras, de parada cardíaca, de inanição, de desidratação, de desespero por medo de cobras, escorpiões, frio, fantasmas. Sempre falo desse conto e nunca consegui relê-lo, porque não queria pensar na morte da moça duas vezes, sim, porque me acho realista e não havia chance dela se salvar. Até que em 2017, durante uma palestra mencionei o conto e uma leitora de Lígia, também apaixonada pela história, por sua estrutura narrativa e, certamente, leitora mais atenta que a escritora que vos fala, me chamou a atenção: “Mas Cidinha, você não se lembra que tinha umas crianças brincando na porta de cemitério quando eles entraram”?

A leitura desse conto me ensinou que um conto nunca pode revelar tudo. Agradeço à autora, Lígia Fagundes Telles, e lhe desejo muita saúde e alegria em sua vida longa.

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