Sobre ser uma escritora lida, mas não contar com um público que compareça aos seus eventos literários
Um
grupo de estudantes de ensino médio em Salvador, orientado por uma professora
que muito admiro está lendo Um Exu em Nova York com entusiasmo. A
professora me pede então uma gravação em vídeo, algo que falasse sobre a
importância da leitura e tal. Ameaço atender o pedido pela consideração que
tenho à professora, mas não atendo porque vídeos e até mesmo áudios não são a
minha praia, me dão muito trabalho, prefiro escrever, fazer algo fluente. Sou
uma pessoa analógica, completamente irritada por essas mídias do audiovisual
veiculadas pela internet. Sei que a linguagem da geração atual é o audiovisual,
mas, de maneira muito sincera, participar desse mundo além da escrita, que é
minha forma de abordá-lo, me estressa muito.
Outra
explicação necessária dada por mim é que não sou uma pessoa ou escritora muito
motivacional, ou seja, não sou boa para incentivar pessoas a lerem por meio de
discursos diretos sobre a importância da leitura, para além do que escrevo e
que pode interessar a alguém.
Dois livros recentes, "Um Exu em Nova York" (2018) e "Exuzilhar" (2019),
primeiro volume de uma série com minhas melhores crônicas, me ajudaram a
compreender que minha pesquisa estética se alimenta de africanidades,
orixalidades, ancestralidades e da tensão e diálogo entre tradições (africanas,
afro-brasileiras, afro-diaspóricas, afro-indígenas) e contemporaneidade. Esse é
meu principal tema. Outras temáticas fortes são racismo, discriminação racial,
desigualdades raciais, mas estes não são meus temas centrais, a
centralidade está no que informei no início deste parágrafo. Outros temas que
me interessam muito são a morte, o amor, futebol, política, gosto muito de
política e escrevo muito sobre este tema.
A crônica tem sido o gênero que mais concentra minha produção, tenho 10
livros de crônicas publicados. A crônica dialoga com o tempo e luta contra ele,
contra a temporalidade dos fatos e da escrita; um gênero que tem como matéria
prima o cotidiano, o que está acontecendo agora, a cronista é desafiada a
abordar o agora e ao mesmo tempo evitar que o texto fique datado, ou seja, que
tenha um sentido restrito ou dirija-se apenas a certo grupo leitores. É um gênero que tem várias faces tais como relato, diálogo, texto jornalístico,
opinativo, crítica cultural e/ou de costumes, entre outros, e tem tônicas
diversas tais como leveza, crítica, ironia, ritmo, humor, poesia, entre outras.
Certa feita, num debate público, mencionando uma afirmação feita pela escritora
Ruth Rocha de que o romance ganhava o leitor por pontos e um livro de contos
por nocaute (citação de uma ideia do Cortázar), perguntei a ela, “e a crônica,
como a crônica ganha o leitor”? A princípio ela disse que não sabia e logo a
seguir respondeu espirituosamente “por W.O”.
Na literatura brasileira a crônica é a “prima pobre” que não tem muito
valor no ranking dos gêneros literários;
muitos sequer a consideram literatura. Para vocês terem ideia, venho escrevendo
crônicas regularmente há muitos anos, sou uma cronista constante, abordo leque
amplo e diverso de temas, tenho oito livros de crônicas publicados até 2018,
mas só fui notada na literatura brasileira quando publiquei meu primeiro livro
de contos em 2018, este que vocês estão debatendo, “Um Exu em Nova York”
(Pallas), que, de imediato, recebeu um prêmio nacional importante, o prêmio
Clarice Lispector, concedido pela Biblioteca Nacional em 2019. Me lembro de uma
amiga escritora muito atenciosa, sabedora do “desvalor” da crônica e que por
isso me aconselhava como resposta às minhas reclamações sobre o sistema
literário: “publica um livro de contos, mesmo que seja um livrinho”. Segui o
conselho e deu certo, mas a premiação me surpreendeu, confesso a vocês que
minhas expectativas maiores de premiação repousavam sobre um livro de crônicas
excelente que publiquei também em 2018, chamado “O homem azul do deserto”
(Malê).
Para finalizar, fico muito feliz que vocês estejam lendo um livro escrito
por mim com tanto entusiasmo, agradeço a vocês e principalmente à querida e
admirada Ana Carla Portela que lhes apresentou meu trabalho. Obrigada.
Escrevi essas duas páginas e meia com “o pé nas costas” e as entrego a
vocês com muito carinho, mas, por gentileza, leiam, não me peçam para
transformá-las em áudio ou vídeo, pois isso faço com dificuldade. Ademais, sempre
acho a leitura mais legal.
Por último, conto-lhes que em dezembro de 2019, por ocasião do meu exame
de qualificação do doutoramento feito na UFBA, aproveitei para promover uma
roda de conversa na Katuka Afircanidades sobre os cinco livros lançados por mim
naquele ano. Notem que durante os três anos e meio que vivi em Salvador,
promovi diversos eventos naquele local. Esse contexto é para explicar o
injustificável, o público foi de duas pessoas, um casal amigo. O Emicida também
apareceu por lá junto com a namorada, mas ficou nítido que ele estava ali para
conhecer a loja, nem sabia sobre minha atividade e a gente nunca foi
apresentado, para dizer a verdade. Não vale dizer “ah, eu não sabia”, retruco
com uma das máximas baianas ou soteropolitanas “procurem saber”.
A convocação então é, se vocês gostam mesmo de uma autora, se admiram seu
trabalho, comprem seus livros, espalhem a palavra, principalmente por meio da
circulação dos livros autorais, prestigiem seus eventos, AJUDEM A DIVULGÁ-LOS
PELOS MEIOS ELETRÔNICOS, pelo boca a boca. Vocês sabem melhor do que eu como as
celebridades e clássicos midiáticos se formam e divulgam seu trabalho, é por
adesão espontânea. Convoco vocês a pensarem também sobre a importância da
adesão espontânea para divulgar a obra das/os artistas que vocês admiram. Ajudem
a mim e a outras artistas negras a não se sentirem como um candidato à câmara
municipal de uma cidade do interior que só teve um voto e deve ter sido o da
mãe, porque ele mesmo se dera conta de que anulara o próprio ao digitar um
número errado. E borá ler, coisas impressas ou mesmo em versão eletrônica.
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