Bombas
(Por: Edson Lopes Cardoso, editor do Irohin).
"A identidade negra traz a discórdia e faz explodir a unidade dos brasileiros como uma “bomba social”. Antes de Lula, éramos todos brasileiros. Agora, somos negros e brancos. Esses argumentos ideológicos são reiterados por Demétrio Magnoli na revista “Veja” desta semana (edição 2094, ano 42, nº 1, 7 de janeiro de 2009, p. 22).
Sem preocupar-se em exibir evidências, Magnoli, que vive a magia dos meios de comunicação, acusa Lula de conduzir “um programa de racialização”. Frio e calculista, segundo Magnoli, o presidente visaria à manutenção de uma “ampla coalizão com as ONGs racialistas, financiadas pela Fundação Ford”.
O texto de Demétrio Magnoli também não diz quais os resultados perseguidos por Lula ao pretender manter a ampla coalizão, fruto de cálculo e frieza maquiavélica. Razões de Estado à parte, o fato é que se trata de um petardo de efeito retardado, que ameaça a segurança de “filhos e netos da atual geração “ (de brancos?).
Não sei se Magnoli participou do I Congresso do Partido dos Trabalhadores, no início dos anos 90. Mas suponho que tenha lido uma das teses defendidas por Florestan Fernandes (PT: Os Dilemas da Organização. Cortez, 1991, p. 79). Florestan chama a atenção do PT para o “arsenal nuclear” que representa a raça como categoria social, o qual não estava sendo considerado pelo partido. Na visão de Florestan, a categoria raça faria parte do “Brasil real e suas exigências históricas irreprimíveis”. São ‘bombas’ muito diversas, como se pode avaliar. A de Magnoli resulta de uma manobra para manutenção do poder, com o sacrifício da unidade da nação e do futuro das novas gerações. A bomba de Magnoli é efeito da utilização do movimento negro com fins instrumentais. Raça é uma manipulação para que se conserve o poder do Estado, sem que se leve em conta suas possíveis conseqüências desastrosas. O príncipe incompetente.
Em Florestan, trata-se de criticar o partido que não percebe o “significado revolucionário explícito e larval da raça, como categoria social’. Florestan quer que o partido deixe de ser reformista e assuma o potencial explosivo e transformador da ordem embutido na categoria raça. Magnoli quer conservar, Florestan anseia por mudanças.
Nem o partido nem Lula ousaram nunca se aproximar dessa batata quente que Florestan depositou na mesa do I Congresso do PT. Poucos anos depois, retirando-se da cena partidária, Florestan diria: “Prefiro participar da fraternidade dos companheiros negros e combater por uma democracia plena, na qual a liberdade com a igualdade seja válida como objetivo universal”. (“Consciência Negra e Transformação da Realidade”. Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados. Brasília, 1994, p.16 .)
Apoiando-se no princípio da salvação da pátria, Magnoli repete as preocupações, sem tirar nem pôr, da Doutrina da Segurança Nacional dos militares ditatoriais, de cujo índex constava a proibição de qualquer alusão à temática racial, vista como manipulada pelo comunismo internacional com o objetivo de solapar a unidade da nação.
Os negros ou são manipulados pelo imperialismo (a Fundação Ford), ou pelo comunismo internacional, ou pelo petismo. É uma marca acentuada de nossa desigualdade essa incapacidade de andarmos por nossas próprias pernas, ou de enxergarmos por nossos próprios olhos. Ou ainda, o impossível, de pensarmos por nossas próprias cabeças.
Para figuras como Demétrio Magnoli, não se deve perder um minuto falando de negros, já que eles aceitam livremente a sujeição. Trata-se apenas de zelar para que se evitem as manipulações, digamos, das camadas inferiores. Pelo bem da nação/pátria e das gerações futuras".
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