Zagaia, de Allan da Rosa

Zagaia (Difusão Cultural do Livro, 2007) é a obra mais recente do prolífico Allan da Rosa. Logo na dedicatória, o autor alerta a que veio: “dedico este trampo pra juventude do Jabaquara, Americanópolis e Divisa Diadema. A quem muitas vezes só resta sela de cavalo xucro, escolas destroçadas, antenas mascaradas podres e degraus de um escadão da vida cheio de musgo e rachaduras. Mas que há de se organizar no levante, concentrar na vocação e fertilizar felicidade”. Mas, não nos enganemos, a dureza anunciada não espanta a poesia, ao contrário, a poesia de Zagaia revelará diamantes no cascalho. As ilustrações do Marcelo D’Salete são bonitas, bem feitas, mas tímidas e literais, pouco se soltam. Mesmo que sejam contundentes as imagens da falta de opção imposta aos que moram às margens do mundo – o hipnotismo exercido pela TV é a mais emblemática delas -, as ilustrações parecem repetir o texto, pouco surpreendem ou subvertem, faltou um pouquinho de asa. O menino Zagaia, em suas andanças pelo mundo, viu “criança sem umbigo” e só este verso sintetiza tratados e mais tratados sobre a falta. “Até serena nostalgia / Virar vermelho arrepio / Um pinote de agonia / Lhe assombrar o desafio / Mestre-sala sem bandeira / Sentiu peçonhento vazio”. São sextilhas as estrofes deste cordel romanesco, um trabalho de linguagem meticuloso feito pelo poeta. O próprio glossário, organizado por ele, é mais uma história contada com o requinte lingüístico da quebrada: “Zagaia é um romance versado, escrito e frutificado na tradição do cordel brasileiro. Trata das andanças de um jovem da periferia paulistana chegado do Norte de Minas com a família, vivente de sonhos dissolvidos nos corguinhos, dos apertos futucados pelos espinhos dos eternos trabalhos de emergência, recebendo merreca e convivendo com humilhações, ressecantes da alma (...) Taí a estória rimada e trançada nas realidades nossas, ardidas em nós moradores da sobrevivência. História ventada de fantasia, essa cor que move nossas paisagens secas e ajuda a organizar o tempo, botar pé e passo pras perspectivas”. E pensar que um grupo importante perdeu a chance de publicar “Zagaia” por entender que o formato cordel descaracteriza a literatura negra. Há mesmo ignorância para todos os gostos. O glossário avisa ainda que “o termo Zagaia nasceu na região onde é hoje o país do Congo. Significa “faca de ponta” ou “lança”, é instrumento de caça e de revide. Nalgumas ocasiões, espingardas escravistas foram combatidas com as zagaias afiadas, arremessadas ou de espetar de perto. Ainda hoje, no Nordeste do Brasil ou até mesmo nas periferias paulistanas e cariocas, em feiras, presídios e em turnos operários de linhas de produção, nas bocas do subúrbio zagaia significa faca artesanal”. Esbarro na falta de recursos teóricos para analisar a complexa sintaxe de Allan da Rosa, restam-me olhos atentos à sua poesia transbordante de dendê, cheiro de rosa, gosto de jiló e pimenta. Tal qual o mantra de Paulinho da Viola, aconselho: bebadosamba, bebadachama (de Allan da Rosa).

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