Uma carta de amor
Por Cidinha da Silva
O amigo Cláudio, pérola recifense do Morro da Conceição, tem o hábito
saudável de discordar dos poetas consagrados. É valente, o cabra. Só quem tem
muita coragem e flor no coração discorda amorosamente de Solano. Porque sim,
poeta da liberdade, negros opressores, em qualquer parte do mundo são (também)
irmãos do Cláudio (e meus), pois, ainda que não os admiremos, tampouco os
sigamos, pertencemos à mesma comunidade de destino.
O poeta da
vez é Pessoa e as cartas de amor ridículas, todas. Cláudio não pensa assim e escreve
uma carta de amor amorosa para Joana, dessas tão intensas que uma vez escritas pelo
amante e lidas pela pessoa amada, jamais conseguiram ser guardadas ou esquecidas.
Uma carta de amor tão intensa que depois de recebida precisasse ser vivida; trazida
consigo, aberta mil vezes e mil vezes relida.
Não sendo ridícula, a carta de amor que Cláudio teria escrito para
Joana, não buscaria clichê; não seria apelativa, tão pouco,
démodé. Seria uma carta curta. Um corte de punhal, que fere como quem
furta. De leve, tão breve que não passaria do preâmbulo, mas que diria tudo de
modo tão claro. Uma carta tão plena de significado e tão satisfatória, que não
precisaria ser concluída. Se ele escrevesse essa carta de amor para Joana
como desejava, ela, a carta, já no prelúdio, seria um ato de fala feliz para
sempre.
A carta de amor que Cláudio escreveu para Joana, se desprendeu do passado, passou pelo
casal e ficou aguardando tranquila a chegada dos dois ao futuro. Era uma carta
de amor, sem medos, com destinatário certo, que se lançava no escuro.
A carta de amor escrita para Joana era uma carta de amor mais verdadeira
que o amor de onze mil amantes, uma carta que nenhum deles jamais escreveu
antes.
A carta de amor, por ser dessas cartas que amante nenhum jamais
escreveu, era um tanto repetitiva e seu teor era certamente alcoólico. Não para
que ela fosse lida, gota a gota, mas para que ela fosse, letra por
letra, absorvida.
Uma carta sem fim que está para sempre no começo, talvez entre um não e
um sim, e lembra a ele, todo dia (como um calendário) que neste amor lendário Cláudio
é o destinatário e Joana é destinatária de Cláudio.
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