Onde entram os negros no tabuleiro de Temer
Por Cidinha da Silva
Qual o projeto de Temer para os negros no Brasil? Existe um projeto? Existem os negros? Não temos respostas exatas, depoimentos, propostas, a não ser o discurso politiqueiro feito na premiação do Troféu Raça Negra, da Faculdade Zumbi dos Palmares, em 2011.
Naquela ocasião,Temer, depois de receber o aludido troféu, prometeu levar a Brasília a discussão sobre as cotas no serviço público federal. Até onde sabemos, nunca houve uma participação ativa dele nesse tema.
Temos pistas de seus propósitos. A primeira delas deriva do próprio perfil do vice-presidente. Ele seria decorativo, segundo autodefinição manifesta na carta de “sofrência” enviada a Dilma, em dezembro passado.
Ele desempenharia ainda o papel de “conspirador geral da república”, responsável pelo desenho da articulação do golpe de Estado.
O site Sensacionalista o caracterizou como “ejaculador precoce” por ter vazado áudio em que falava como presidente da república, dias antes da votação do golpe na Câmara dos Deputados.
E gente mais maldosa do que o site chegou a dizer que morto-vivo não ejacula
Ou seja, Temer deixa pistas como um morcego invasor de casas na calada da noite que bica frutos e pedaços de carne deixados à vista. Os morcegos são rápidos. Quase não os vemos e demoramos a identifica-los.
O olhar glacial de “mordomo de filme de terror”, apelido conferido ao vice pelo mortífero ACM, simula sobriedade e camufla o senhor de um império de intrigas palacianas.
E onde entram os negros aí? Não entram. Não existem nesse tabuleiro.
Não há nas posturas de Temer a mais leve menção às conquistas sociais dos governos Lula-Dilma para os negros. Ele se resume a dizer que manterá os programas sociais em um hipotético futuro governo forjado por via indireta.
Ele não deve sequer saber que 72% dos pobres que saíram da extrema pobreza são negros; que 72% das pessoas beneficiadas pelo Bolsa Família são negras e que 68% dessas famílias são chefiadas por mulheres. Que 71% dos beneficiados pelo Minha Casa Minha Vida são negros.
Não deve saber também que nos últimos 15 anos cerca de 150 mil negros obtiveram vagas nas universidades brasileiras, pelo ENEM, pelo PROUNI e pelo sistema de cotas raciais.
É seguro que não tenha ideia de que as cotas raciais foram responsáveis por democratizar a universidade brasileira. Não só pela entrada significativa de negros no corpo discente, mas também por ter sido o debate racial o impulsor de espaços para o debate da reserva de vagas para os estudantes egressos de escolas públicas.
A segunda pista está no documento “Uma ponte para o futuro” publicado e divulgado pela Fundação Ulysses Guimarães com aval do vice golpista.
A escorregadia peça de propaganda do governo do golpe não fala de sujeitos, de pessoas, de relações socioculturais. É um panfleto de economia, de “economês”, e prioritariamente, de questões fiscais, para as quais seriam exigidas “mudança de leis e até mesmo de normas constitucionais”, preservando-se “as conquistas autenticamente civilizatórias” (que ninguém explica o que seriam).
A “ponte para o futuro” pouco de detém até na concertação política. É um discurso tramado pelas elites econômicas, incomodadas com a mobilidade social do Zé povinho (negro, em larga medida), mesmo que seu lucro não tenha diminuído ao longo da última década e meia.
É que as mudanças simbólicas também incomodam muito. Incomoda que a mentalidade quilombola (eu posso ser livre) tome conta dos aeroportos, esteja presente nas universidades, no serviço público.
Ao ler o documento da corriola de Temer é inevitável rememorar a economista Maria da Conceição Tavares e sua assertividade quando criticava o discurso economicista de Aécio Neves no último pleito: “o povo não come PIB; come arroz e feijão”.
Por fim, Temer seguramente não terá o que dizer sobre duas questões candentes, sem solução que se vislumbre próxima: o aumento da violência contra as mulheres, notadamente contra as mulheres negras, inclusive com incremento da cifra de assassinatos.
Tampouco sobre a violência policial galopante que ceifa 84 vidas de homens negros, a maioria jovem, a cada dia no Brasil.
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