Ação de Marketing de Felipe Neto na Bienal do Rio
Amigas e amigos da radicalidade crítica ao mercado e ao Pink Money, se o título lhes pareceu que esta crônica acusaria o Felipe Neto disso ou daquilo, que discutiria o “bom uso do privilégio branco”, tirem o cavalinho da chuva e parem a leitura já, para não se cansarem. Meu título, por óbvio, também é marqueteiro.
Para quem não sabe do caso (e muita gente soube porque o Felipe Neto se posicionou), o prefeito fundamentalista do Rio de Janeiro, um daqueles governantes que rasgam a Constituição e bombardeiam o estado laico no afã de criar um estado teocrático-miliciano, o pastor Crivella, mandou funcionários da prefeitura `à Bienal Internacional do Livro do Rio para apreenderem uma HQ da Marvel, na qual dois jovens heróis, homens, se beijam.
Felipe Neto, um youtuber famoso que tem revisto posições conservadoras do passado recente (que bom, as pessoas amadurecem e se recriam), posicionou-se de maneira consistente contra a arbitrariedade do prefeito-censurador. Como resultado, galvanizou o olhar da mídia e de milhões de pessoas, notadamente jovens, que prestam atenção ao que ele diz e, de quebra, ao comprar 14 mil exemplares de livros de temática LGBT para distribuir gratuitamente, fez um investimento de self-marketing genial.
Felipe dialogou com o mercado como se deve, utilizando a linguagem do mercado. De maneira direta, movimentou o mercado editorial. Aqui vai uma informação para o pessoal que mesmo compondo algum elo da cadeia produtiva do livro se isenta de “discussões menores”, como a da circulação de livros no Brasil. Vender mil exemplares de um livro é osso, mesmo para editoras grandes que publicam autores reconhecidos pela crítica e pela imprensa literária. Leva-se entre dois e três anos.
De volta à ação de Felipe Neto que chamou a atenção do público para um tema crucial de Direitos Humanos. O direito de as pessoas se amarem, e disse ao mercado: além de defender uma causa que acredito, de ser frontalmente contrário à censura, de entender que este é um valor que deve ser espraiado entre as pessoas, principalmente as jovens, que levam em consideração a minha opinião, estou lidando com dinheiro, eu tenho dinheiro e vou comprar livros de temática LGBT porque os considero importantes e vou distribui-los, gratuitamente, a qualquer pessoa que queira lê-los, e mais, vou aplicar uma tarja que define a proibição do livro para pessoas preconceituosas.
Ação de marketing efetiva dentro da Bienal do Livro, um local de negócios, todo mundo sabe que a Bienal é isso. E deveria saber também que o livro precisa se vender, precisa ser comprado para que a cadeia produtiva do livro subsista. É lógico também que comprar livros de grandes editoras reverbera mais do que comprar livros de editoras independentes que pouco chegam à Bienal porque os estandes são muito caros, a manutenção do espaço e de funcionários. Graça uma piada entre as editoras independentes e pequenas editoras, alguém pergunta, você vai expor na Bienal deste ano? E a pessoa responde: não, ainda estou pagando as dívidas de duas bienais passadas.
O marketing bom é o marketing inteligente e efetivo, você compra 14 mil livros e gera uma mídia espontânea cujo valor é bem maior do que seu investimento. E daí? Qual é o problema? Ações de marketing e política conversam, sempre conversaram e elegeram gente como Trump e Bolsonaro. Por outro lado, é muito positivo documentar filas quilométricas de pessoas que querem receber livros de temática LGBT distribuídos gratuitamente.
As pessoas aliadas têm interesses e é assim desde que a guerra é guerra. Estamos em guerra, se ainda não entendemos isso. E sim, essa ação de marketing político, feita por um homem branco jovem, tem sentido na guerra contra o fundamentalismo-miliciano que faz ações de marketing mal pensadas para recolher uma narrativa LGBT da Marvel na Bienal, enquanto prossegue na eliminação impune de corpos negros como se fossem baratas e ratos, por meio de planos precisos.
JABA DA SUSTENTABILIDADE
Se o Felipe Neto e vocês que chegaram até aqui na leitura tiverem interesse, podem também comprar meus livros nos quais está presente a temática LGBT. Vou lista-los. É só irem até a loja virtual da Kuanza Produções. https://www.kuanzaproducoes.com.br/Alguns deles estão disponíveis na Bienal do Rio, viu Felipe? Se até amanhã você decidir fazer nova compra, inclua meus títulos também. Abraço.
Cada tridente em seu lugar (crônicas, 2006)
Baú de miudezas, sol e chuva (crônicas, 2014)
Sobre-viventes! (crônicas, 2016)
O homem azul do deserto (crônicas, 2018)
Exuzilhar: melhores crônicas de Cidinha da Silva — vol.1 (crônicas, 2019)
Pra começar: melhores crônicas de Cidinha da Silva — vol.2 (crônicas, 2019)
Kuami (romance para infância, 2019, 2ª edição)
# Parem de nos matar! (crônicas, 2019, 2ª edição)
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