Manual de exploração de uma escritora independente - Episódio 1: Fogo amigo
São muitas as agruras de ser
escritora independente, você não imagina. Observo colegas que se valem dos textões, desabafos on line, para se expressar, para não explodir de raiva e
frustração. Para ver se as pessoas se tocam, se aprendem alguma coisa e cessam
a postura extrativista de nossa persona como intelectuais públicas e também da produção
literária.
Ao iniciar esta crônica, pretendia
me juntar à crítica feita por escritoras e escritores independentes a esse modo
vigente de nos explorar, nós que constituímos o elo mais fragilizado e
desprotegido da cadeia produtiva do livro. Desejava fazer um texto único, um
decálogo, talvez. Ocorre que à medida que a escrita se desenrolava, percebi que
cada tópico daria um texto inteiro. Desse modo, apresento-lhes a primeira lição.
Apertem os cintos, vamos assumir o
controle da nave.
Aos e às colegas que já iniciaram
suas narrativas, sugiro que saiam do limite do textão e produzam ensaios, publiquem essas idéias em formatos mais
perenes, pois trata-se de labor intelectual muito significativo, capaz de mover
pedras grandes do caminho e de contribuir para a construção da memória do mundo
do livro, da literatura, da leitura e do mercado editorial, pela lente e pela
agência da escritora, do escritor, sem os quais o universo do livro não
existiria.
Vejamos como funciona o fogo
amigo, tática de exploração humana bastante praticada por aqueles que se valem
da condição de amigo, ou pelo menos de pessoa próxima, partícipe de convívio
antigo que gera certa solidariedade, que leva o extrativista de plantão a aproximar-se da autora da maneira humilde
para convidá-la a participar de um evento promovido por ele na universidade
onde leciona.
O promotor do evento dirá que
fulana ou cicrana já estiveram por lá, na tentativa de fazer com que a
escritora em ascensão se sinta importante. Mal saberá o professor que as
mulheres citadas são intelectuais que a autora nem admira. Ela disfarçará o tédio e a certeza de
entrar em mais uma roubada, sabe Deus o
porquê. Mentira, ela também sabe. É porque foi constrangida pela dita amizade;
porque ela ainda acredita no imperativo de fortalecer os amigos pretos que trabalham
em universidades particulares e públicas; por querer ampliar seu público, vender
e fazer circular seus livros pelos vértices do mundo, porém, ela irá,
principalmente, porque confiou tratar-se de uma reunião de número significativo
de pessoas, resultado de uma divulgação ampla que, por si só, ventilaria o nome
da autora por muitos cantos. Doce ilusão.
Ela atenderá ao convite por não
saber ainda que o extrativista é um extrativista, e mentiroso, além de tudo. O
tal evento não existe, não passa de uma
reunião com as turmas para as quais o sujeito dá aulas. Ela entristecerá quando
vir que uma bolsista de iniciação científica controla a lista de presença,
liberando-a para assinatura só a partir das 21:00, conforme combinação prévia
feita com o professorzinho.
Mas não se enganem, mesmo na
condição de enganada acerca do evento que não existiu, a autora tinha plena
consciência de que quando o extrativista fizesse um evento de verdade, até com
pró-labore, quem sabe, ele não se lembraria dela. Este tipo de atividade é
reservada aos grandes nomes, aqueles com os quais ele possa fazer articulações para projetar-se na
carreira. Os que, como contrapartida, possam convidá-lo para compor bancas de
mestrado e doutorado em suas respectivas universidades; aqueles que possam acenar com convites para
publicar artigo em revistas acadêmicas; aqueles que possam oferecer-lhe
palestras, oficinas e cursos, remunerados ou não, mas em instituições de
prestígio, melhores do que a dele. Enfim, serão convites reservados àqueles possíveis
integrantes de bancas de seleção para o cargo de professor nas universidades
mais conceituadas e estáveis que povoam os sonhos de carreira acadêmica bem
sucedida do professor.
Mas mantenha a calma, bebê, segure
a ansiedade, a escritora não vai expor seu nome. Não é preciso. O importante é escancarar esse
tipo de comportamento para os que agem como você saberem que ninguém é bobo
nessa picaretagem. Todo mundo sabe qual será a próxima jogada. A gente sabe a quem se oferece uma carona num
carro de volta para casa como “pagamento” pelo trabalho, depois de o professor
ter posado de grande e importante frente aos estudantes, à medida que levou uma
escritora em ascensão como atração de zoológico de sua aula medíocre.
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