Bienal 2008: o trabalho que não coube no vazio - o terreiro e a Bienal, o desencontro em vivo contato
(Por: *Rodrigo Bueno).
"O convite para ativar o espaço de aproximadamente dois mil metros quadrados para a Bienal chegou como uma fresta na rigidez da estrutura da instituição. O espaço semi-aberto proposto para a ocupação, em meio à aridez do asfalto, na Praça dos Mastros (hoje sem as bandeiras), serviu de inspiração para a ocupação do ambiente.
A força da terra, do tempo que racha o asfalto e faz brotar o verde, das ervas que pulsam resistentes, remete às tribos indígenas que foram expulsas pelos posseiros bandeirantes, nos rastros do invasor Pedro Álvares Cabral, até hoje entronado em pedra e bronze.
O tema ‘vivo contato’ inserido no convite foi a motivação para criar um lugar de encontro entre as forças pulsantes, um lugar aberto onde as diferenças poderiam dividir sua própria origem, assim como faço no ambiente aberto do ateliê-mocambo Mata Adentro, que recebe fontes de cultura de todos os cantos.
A curadoria pediu um ambiente de convívio festivo, unindo os elementos da cultura, como artes visuais, música, plantas, dança, poesia e comida, além de agregar um receptivo para as iniciativas culturais que seriam convidadas a participar do programa educativo. A idéia era amplificar, no Terreiro, o ambiente de sensibilização naquele espaço, através do aconchego sensorial, utilizando resíduos como matéria-prima que escolhi para construir esta ponte ambiental.
Já há muito tempo o uso de resíduos faz parte do meu trabalho. Para a ocupação da Bienal, usaria resíduos materiais e imateriais. Resíduos que contêm memória e peso. Resíduos da nossa cultura fragmentada, carente de reparação, auto-estima e dignidade. Resíduos do parque, das ruas e principalmente das caçambas das montagens que sustentam a Fundação Bienal.
Porém a relação entre os grupos que fazem do Parque um ser vivo e a Bienal gerou vácuos de diálogo difíceis de contornar.
O Terreiro, como extensão da grande praça, projeto luminoso que buscava a celebração sem catracas, que ainda convidava o povo periférico, em suas realidades de vivíssimo contato, se transformou em problema.
Assim, o Terreiro não coube na 28a Bienal. Ainda assim, em contrapartida e inconscientemente, a curadoria propôs uma performance para o dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra, dia de Zumbi.
Cheguei a cogitar a ação ‘Bate Folha para Zumbi’, um ritual em torno da origem da batida, da raiz da rua.
Sondei as bases da família de poetas, músicos, artistas, ativistas quilombolas que lutam por uma nação justa e que se reúnem em uma rede de iniciativas de cultura espalhadas pela cidade como também no espaço Mata Adentro. A resposta é que não vemos credibilidade na instituição para tal celebração.
A festa de Zumbi é expressão conjunta e alternada de vozes e fazeres, amplifica o discurso político de diferentes gerações.
Decidi declinar da participação na 28a Bienal de Artes de São Paulo.
Agradeço o convite de participação e desejo boa sorte para que a instituição encontre outros caminhos, pois o momento de renovação é inevitável."
Cordialmente,
*Rodrigo Bueno. Artista plástico, editor do sítio www.mataadentro.com.br Imagem do acervo do artista, "Eparrê".
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