A PEC das Domésticas, os grilhões e as madames
Por Cidinha da Silva
As
madames estão indômitas. Como diz o povo da minha terra em causas perdidas, seguidas
de auto-flagelo dos protagonistas, estão rasgando o cu com a unha.
São
77 anos de organização sindical das trabalhadoras domésticas, iniciada por
Laudelina de Campos Mello, em Santos, na busca de 34 direitos garantidos à
maioria das demais categorias de trabalhadores.
São 70 anos de atraso em relação às conquistas da CLT. São cerca de 8
milhões de domésticas em todo o país, incluindo adolescentes e crianças,
destas, em torno de 6 milhões não têm carteira assinada e não ganham sequer um
salário mínimo.
Entretanto,
mesmo diante destes números, os jornais estão consternados com o “desamparo”
das patroas e patrões, e se apressam em esmiuçar todos os direitos da classe
patronal frente aos insuspeitos novos direitos como trabalhadoras (ironia da
História) conquistados pelas domésticas. Qualquer semelhança aos debates prévios
à extinção formal da escravatura não são mera coincidência.
Foi
só no final dos anos 80 que a História Social da Escravidão começou a utilizar
a expressão trabalho escravo para nominar a ação transformadora e de
sustentação do país desenvolvida pelas pessoas escravizadas. Antes destes
pesquisadores, a historiografia brasileira só falava em trabalho formal e
organizado a partir do movimento operário das primeiras décadas do século XX.
O
giro da roda num país racista sempre emperra nos privilégios da branquitude. A bola
da vez é o trabalho doméstico que passa a ter direitos similares aos dos demais
trabalhadores apenas no século XXI, e são ainda questionados. Eita pessoal
ranheta, não larga o osso nem a poder de marreta!
Oxalá,
caminhemos de um lado, para botar fim ao “você é quase da família”, e do outro,
para extirpar do mapa o discurso passivo de trabalhadoras destituídas de tudo, o
dolorido “meus patrões têm o coração tão bom, me tratam tão bem.” São faces da
mesma moeda. A coroa passa açúcar (roupa usada, sobras de comida) na exploração
das domésticas, compartilha de maneira simbólica e subalternizada o mundo que um
salário ínfimo não pode comprar. A cara da moeda, privada do básico, até do
direito ao trabalho para manter existência digna, tende a contentar-se ou iludir-se
com o coração bom de mãos tiranas. O bom tratamento restringe-se à provável
ausência de maus tratos sofridos em experiências anteriores ou narrados por
familiares e colegas. Nada mais.
Se
Oxalá não nos ouvir, no ritmo em que as coisas andam, daqui a pouco as
trabalhadoras domésticas serão condenadas a indenizar as senhoras, se é que
vocês me entendem.
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