Poder e Igualdade. Imagem por _Cheryl.
Compartilhar essas impressões no dia 21 de março - Dia Internacional da Eliminação da Discriminação Racial, é me amar, é lavar minha alma, é encontrar minha medida.
Temos no outro uma importante medida, mas não podemos reputar a ele a definição do que somos a título de terceirizarmos o que há de mais caro para qualquer um: a nossa invenção. Não se trata de um processo fácil para nós, mulheres negras, que de uma forma velada e, muitas vezes, direta recebemos quase que, diariamente, mensagens de que somos inferiores na escala valorativa social.
O processo de autoafirmação passa por muitos caminhos a depender de cada uma de nós e da forma como nos colocamos no mundo. Para muitas, passa pela aceitação da textura do cabelo, para outras pela possibilidade de fazer poesia, de escrever uma tese de doutorado, de chegar em um posto nunca antes ocupado ou da concretização de um relacionamento. Sejam lá quais forem os caminhos para esse encontro com o que cada uma de nós é, gostaria de problematizar alguns pontos que me parecem essencialmente importantes.
O primeiro deles se apresentou, de forma clara na minha defesa de mestrado - embora sempre tenha estado presente - , em maio de 2007, quando o professor que compunha minha banca, negro e reconhecido no campo da comunicação como pesquisador de excelência, apresentou-me uma questão. A minha dissertação “Vozes da favela na internet: lutas discursivas por estima social” se baseava em uma análise qualitativa acerca de manifestações de moradores de favelas em portais na internet ligadas de alguma maneira a movimentos sociais de favelas, e eu defendia que a Web se apresentava como um espaço para reafirmar a identidade dos moradores dessas comunidades tão estigmatizadas nas cidades brasileiras.
Não vou reproduzir exatamente a questão para não desviar o debate que aqui me proponho, mas era uma pergunta instigante: será que lutar para que o outro nos reconheça não é apenas uma etapa do processo de construção dessa identidade, sendo a autonomia plena alcançada quando não há preocupação com a fita que o outro nos mede? Antes de ter uma resposta para questão, penso que ela deve ser um horizonte permanente de nossa reflexão - uma busca constante pela métrica perfeita. Não se trata de reforçar lógicas individualistas, mas sim saber porquê muitas vezes o que o outro pensa de nós representa tanta dor.
Ao ver o vídeo de Jully, uma jovem negra que, depois de se confrontar com tantas piadas sobre o seu cabelo, resolveu fazer um desabafo no Youtube, senti-me convocada a dialogar com ela (mesmo que de forma indireta e em um outro espaço). Em linhas gerais, ela dizia que assumir o cabelo crespo a deixava feliz, realizada, autoconfiante no espaço de sua intimidade, mas que, ao sair de casa, nos espaços públicos, as piadas, comentários e julgamentos feitos a partir de seu visual lhe traziam muita tristeza.
Claro que não quero discutir o sentimento de Jully, pois de antemão sou solidária a ela. Mas cabe aqui examinar se situações como essa não pedem certa rebeldia. Eis o segundo ponto que apresento. É na periferia que encontro esse “não tô nem aí” tão libertário, seja nas quebradas de São Paulo, com os versos do poeta Sérigo Vaz: “Ame-se. Se alguém não gostar, foda-se”. Seja na idílica Jamaica nos versos de Bob Marley: “Emancipate yourselves from mental slavery” (em uma tradução livre, liberte sua mente da escravidão mental). Cada uma a seu jeito, Bob e Vaz indicam que não há como aprisionarem nossas almas, não há correntes que sejam capazes disso. Para quem sofre com o racismo e discriminação cotidianamente parece uma saída fluída para questões tão pesadas. Como traduzir esse estado de espírito em possibilidade de transformação e combate a algo tão forte?
Foi na fala de Cidinha da Silva, em um diálogo estabelecido a partir de um de seus textos sempre provocativos, que consigo dar concretude ao que o professor, Bob Marley e Sérgio Vaz colocaram-me a pensar. Então, apresento o último ponto de minha reflexão. O combate tem que ser direto, certeiro, sem tergiversar. Sem escamotear, precisamos nos colocar! Fale! Da maneira que melhor você saiba se expressar! Como minha praia é escrever, compartilhar essas impressões no dia 21 de março - Dia Internacional da Eliminação da Discriminação Racial, é me amar, é lavar minha alma, é encontrar minha medida. Não a métrica que outros querem que eu esteja, mas a que eu escolho para me mostrar ao mundo. Obrigada Cidinha pelo espaço!
Márcia Maria Cruz é jornalista e professora. É autora do livro Morro do Papagaio e doutoranda em Ciências Políticas pela UFMG. Escreveu para o Blogueiras Negras a convite de C
idinha da Silva.
Esse post é um esquenta, um rufar dos tambores. A blogagem acontece amanhã e ainda dá tempo de você participar!
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