Cenas queridas dos capítulos finais de Lado a lado
Por Cidinha da Silva
Tia
Jurema (Zezeh Barbosa) e o velho Afonso (Milton Gonçalves) quando pediram vaga
para alfabetização na escola do morro, em Lado a lado, foi, para mim, uma das
cenas mais emocionantes de toda a novela, não só dos capítulos finais. Arrisco
dizer que a emoção de Laura ao acolher o pedido foi também a emoção de Marjorie
Estiano.
Diante
da certeza de que Caniço (Marcello Melo Jr.) estava usando Vilmar (Márcio
Rangel) como aprendiz na carreira do
crime, Zé Maria (Lázaro Ramos) resolve lançar mão do poder instituído da
polícia para deter os maus feitos de Caniço. Já ao aceitar o plano de Zé, o
delegado Praxedes (Guilherme Piva) curva-se à sapiência do capoeira. No momento
da contenda, o esperto Caniço foge (a polícia não dá conta dele) e Zé, talvez
em dúvida sobre a atitude de entregar um dos seus a uma instância de repressão
à capoeira e aos negros, deixa-o correr (Zé já fizera sua parte). Mas o herói
vê Vilmar assustado, acuado (a câmera foi absolutamente feliz ao mostrá-lo
parcialmente, é uma criança, sua imagem deve ser protegida, grande sacada) e
compreende que mais importante do que deixar que a polícia se vire para prender
Caniço é cortá-lo pela raiz, impedindo que ele envenene outras crianças. Outra
vez, o delegado se curva e reconhece o valor de Zé Navalha, reconhecendo-o no
agradecimento como capoeira que opera dentro da lei.
Assumpção
(Werner Schunemann) usa as armas ardilosas de Constância (Patrícia Pillar) para
humilhá-la. Valendo-se de autoridade moral mostra que não é um bobão, um
inocente útil, mas não bate, não levanta um dedo contra ela, não a agride
fisicamente, como é comum nas novelas. Ufa! A cena em que a esposa desleal gruda
a entretela do casaco de Assumpção e como último suspiro declara amor e pede
para ficar, merece do vingador um olhar impávido dirigido às mãos da vilã que cingiam
sua roupa. Constância mira as próprias mãos depois do olhar imperativo do
marido e é forçada a retirá-las, desolada. Tudo no mais profundo silêncio, sem
palavra sequer, sob o olhar em sombra esmaecida (outra grande sacada da câmera)
da criadagem perfilada. Só dois grandes atores para emprestar à cena como
aquela, vida e dramaticidade intensas
requeridas por alguns segundos mudos.
Pai
é quem cria, é aquele que acolhe, com quem a gente se identifica. É assim com
Elias (Cauê Matos) e Zé Maria e também com Luciano (André Arteche) e Mário (Paulo
Betti).
A
conversão de Albertinho (Rafael Cardoso) ao bom mocismo foi perfeitamente plausível
na trama, aconteceu paulatinamente no curso de vários capítulos, não se tratou
de invenção fantástica. Convenceu até ao casal 21, em nome do cuidado e do amor
a Elias. A tal sinceridade do janota, a mim não enternece, tampouco convence.
Não arranca de mim nenhum suspiro ou lágrima, embora entenda a comoção de muita
gente, principalmente de quem tem acertos a fazer no cartório. Meu coração é imune
a esses factóides emocionais, já viu racismo demais nessa vida.
A
amizade de Isabel e Laura, fio condutor da história, arrematou a colcha de
retalhos numa elegia à cumplicidade feminina, alicerce de todas as mudanças,
pelas quais os personagens envolvidos no crescimento pelo amor e pelo respeito
passaram.
No
diálogo final entre Berenice (Sheron Menezzes) e Zenaide (Ana Carbatti), depois
de perseguição mútua e disputa pelas jóias conseguidas por Berenice, na função
de amante de um industrial branco e corrupto, Zenaide alerta a irmã de que a
queda é iminente, referindo-se ao barranco às suas costas. Desesperada e
confusa, Berenice não se dá conta da situação real e responde como se a vilã
mais velha aludisse à sua existência onírica em Paris, onde enriqueceria como
Isabel enriqueceu. Alheia ao precipício, bastante simbólico, pois a personagem
não vê o abismo da vida real que a separa do sonho impossível de virar madame
como Isabel, classuda e altiva como Isabel, ela cai como Zenaide realista
anunciara. Berenice morre estatelada na lama de Nanã, o começo, do morro e da
vida.
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