Sinuca de bico armada por Lado a lado
Por Cidinha da Silva
Levei
um puxão de orelhas dos autores de Lado a lado. Supondo, internauticamente, que eles
leiam minhas crônicas. Deu-se o seguinte: em um texto sobre partes do folhetim
que não gosto mencionei o fato de Edgar (Thiago Fragoso) tornar-se sócio da
escola no morro apenas por amor a Laura (Marjorie Estiano), para prover a ela,
discriminada nas demais escolas por ser divorciada, o direito de trabalhar e,
mais do que isso, de realizar um sonho. Eu gostaria que Edgar compreendesse (e
demonstrasse) que, como homem rico e atento às mazelas sociais enfrentadas
pelos negros, deveria sentir-se responsável por investir aquilo que abunda em
sua vida e conta bancária no enfrentamento das desigualdades raciais.
Pois
bem, eis que, na aparição nefasta de Constância (Patrícia Pillar) na
inauguração da escola no morro, ao fim da grande interpretação da atriz, o
texto é mais ou menos o seguinte: “eu quero ajudar, Laura! quero oferecer
dinheiro para a escola, uma quantia mensal para ajudar as crianças
necessitadas.” Tomou papuda?! Disseram os autores. Você não queria apenas o
dinheiro dos brancos? Não é para isso que eles servem? E o dinheiro de
Constância, você quer? Serve?
Entendi
o recado do diálogo imaginário e adoro sinuca, aviso! Volto a outro texto de
minha lavra sobre a novela, os afetos correlatos ao racismo, que, no caso
brasileiro constituem um sustentáculo importante da discriminação racial
naturalizada no dia-a-dia. Parece-me que a armadilha do bilhar é: a intenção
com a qual o dinheiro seria doado é importante. Edgar é um homem branco, bom e
honesto. Constância é uma mulher branca execrável. Logo, o dinheiro de ambos
teria o carimbo do caráter atinente a cada personagem. Ok, baby, mas você ainda
não venceu. Eu tentarei acertar a bola preta, agora.
O
carimbo do dinheiro, a origem, lícita ou não, é fundamental, sempre. Ponto
pacífico. Assim, o dinheiro de Edgar é resultado de seu trabalho competente
como advogado. Os recursos de Constância não vêm apenas do salário do
marido-senador, mas também das dezenas de anos de exploração de trabalho
escravizado que enriqueceram sua família. Até aqui, concordamos. A divergência
começa na interpretação do ponto central de minha afirmação: Edgar deveria
compreender seu papel estratégico como homem branco rico e atento às
desigualdades à sua volta, protagonizadas por pessoas negras nas piores
posições. A compreensão do papel é o essencial.
Certa
vez trabalhei com o programa de voluntariado de uma empresa apoiadora
(financiadora) de um projeto de ação afirmativa para adolescentes negros.
Procurou-nos um daqueles jovens bem sucedidos, que ganham tubos mensais de
dinheiro, 10 vezes mais do que nosso salário mísero e, muito solícito, queria
desenvolver trabalho voluntário com a moçada. De antemão, expliquei a ele quais
eram as nossas necessidades para ampliação da formação cultural dos jovens e,
diante disso, quis ouvir o que ele teria a oferecer. Calidamente, ele disse que
poderia dar aulas de violão. Eu disse, ora veja, além de especialista em
mercado financeiro, você é também um músico de excelência. Sincero, o rapaz me
explicou que não era um virtuose, sabia alguns acordes, tocava umas músicas e
seria muito bom para ele ter contato semanal de uma hora com o violão e ensinar
o que sabia a outras pessoas.
Percebendo
que ele precisava de orientação para ir além de um momento de relaxamento com
aulinhas de violão a jovens considerados carentes, sugeri: você não quer dar
aulas de Matemática? Não as aulas regulares, que para isso temos ótima professora,
um programa definido com metodologia e metas, mas ajudar as pessoas a organizar
a economia doméstica, a administrar a própria bolsa. Quem sabe um pouco de
matemática financeira, noções básicas de como opera uma bolsa de valores, o
cheque especial, o juro dos cartões de crédito, como o dinheiro é multiplicado
nos bancos em favor dos banqueiros... Essas coisas que o pessoal não tem
acesso. O rapaz sorriu simpático. Iria pensar. Nunca mais voltou. Eu queria que
Edgar fosse mais do que este moçoilo.
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