Relações inter-raciais em Lado a lado
Por Cidinha da Silva
Danados,
essa Cláudia e esse João, autores de Lado a lado. Pregaram uma peça na gente,
nos pegaram na curva. Como não achar digno que Zé Maria (Lázaro Ramos) e Fátima
(Juliana Knust) tenham um romance? Isabel (Camila Pitanga), metida a senhora do
destino alheio, dispensou o Zé em nome do altruísmo que camufla seu egoísmo.
Vamos combinar, é autoritário demais dar adeus ao amado para libertá-lo em nome
da felicidade, porque ela, a semi-deusa, sabe o que é melhor, menos doído e
mais proveitoso para ele. Como se Isabel proibisse uma criança de comer 200 gramas
de batatas fritas por dia.
Zé não
é uma criança fazendo coisa errada ou comendo o que não deve, é um homem feito,
responsável por suas atitudes e escolhas. O caso é que Fátima é branca e nada
na trama indica que Zé trocou Isabel, a empresária negra, por Fátima, a médica
branca, como se faz por aí. E agora? Astutos, a Cláudia e o João, conseguiram
abordar uma relação inter-racial entre homem negro e mulher branca pelas aproximações
das duas personagens. Ela é discriminada por ser mulher em exercício
profissional no mundo dos homens, ele, por ser negro. Um homem corajoso ao
enfrentar o racismo na Marinha, no futebol, na relação com a polícia e também
no mundo do trabalho. Fátima enaltece o que Zé tem de mais caro, a capoeira,
seu grande valor civilizatório. Admira-o como homem, não o segmenta como negro.
Zé a admira pela beleza, determinação, ousadia e fica seduzido pelo interesse da
médica pela capoeira. Ai, meu Deus! Tudo tão humano e crível! Só me resta lamentar
que Isabel seja tão turrona!
Nossa musa está tão acostumada a resolver tudo sozinha (a vida a obrigou a isso), que ela
acha que sabe o que é melhor para o Zé. Ela sabe por ele, sua prepotência e
vaidade são ilimitadas, mas chama a isso de sacrifício pessoal em nome do amor.
Talvez seja aprendizado para ela e para nós.
Entretanto,
fora da relação inter-racial idealizada (embora plausível) do folhetim, as
mulheres negras heterossexuais continuam sós e com o sentimento de serem
preteridas pelos homens negros. Para entender a situação é só fazer a etnografia
dos casais que passeiam pelas ruas do Brasil, ou ouvir os depoimentos dos moços
negros, advogando que as mulheres negras são muito difíceis e complicadas. Reclamam
demais, são sofridas demais e exigem demais, mesmo exigindo o mínimo. Adicione-se
o complemento cruel de que as mulheres brancas seriam mais leves.
Sobre
quais pesos hablamos, esvoaçante pássaro preto? Sobre uma mulher desejosa de um
igual para ser pai dos filhos e enfrentar o racismo do mundo, lastreada por um integrante
de sua comunidade de destino? Ou falamos da facilidade buscada por tantos
homens negros que têm na mulher branca uma possibilidade de ascensão social, ou
o atestado de que venceram, são melhores do que os outros pretos. Falamos do
acesso permitido ao clube de competidores (e predadores) vitoriosos por terem
sido capazes de conquistar mulheres socialmente valiosas? Falamos da migração
positiva da masculinidade subalternizada para os degraus mais baixos da
masculinidade branca hegemônica, ou pelo menos, mais distante dos outros
negros... ou não?
Zé
Maria, dono de infinitas qualidades, superou o galante Lázaro Ramos no coração das
mulheres negras heterossexuais pelo Brasil afora. Das mais simples às
ultra-intelectualizadas, todas jogam ao vento sonhador o desejo de ter um Zé Maria
na vida. É o sonho de ter ao lado, o Obama que disse a Michelle, na reta final
da campanha para o segundo mandato como presidente dos EUA: “não seria o homem
que sou sem a mulher que aceitou casar-se comigo há 21 anos.”
De
volta à novela, só as relações afetivo-sexuais inter-raciais entre Fátima e Zé
parecem não ser convencionais. A relação de Bonifácio (Cássio Gabus Mendes)
e Norma (Elisa Lucinda), mãe do
filho bastardo do ex-senador, foi de exploração sexual do homem branco à mulher
negra. A relação do corrupto empresário com Berenice (Sheron Menezzes) afina-se
pela mesma palheta, a tara de Bonifácio pelas de mais melanina. Albertinho
(Rafael Cardoso) é a versão soft do
canalha Bonifácio. O janota é mais refinado para seduzir, como fez com a dilacerada
Isabel da primeira fase da novela e tenta fazer com Gilda (Jurema Reis). A
cantilena é a mesma, mudam as personagens e os tempos, apenas.
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