Dias de glória neste novembro negro!
Por Cidinha da da Silva
Obama reeleito
para a Presidência dos EUA. Joaquim Barbosa eleito Presidente do Supremo
Tribunal Federal. Maria Aparecida Moura aprovada em concurso para Professora
Titular na Escola de Ciência da Informação da UFMG, primeira mulher negra a
ocupar posto de tamanha envergadura na instituição. Novembro memorável, este! Ainda que para nós,
haja um átimo de tristeza pontilhando o júbilo, por continuarmos inaugurais em
posições de destaque e mando.
Há nove anos, em
2003, compareci à posse de Joaquim Barbosa no STF, convidada por ele, como
manda o regimento da casa. Por pouco não fui. Não levei a sério a notícia de
que havia um convite para mim. Eu havia conhecido o Ministro três anos antes,
em Genebra, durante o processo preparatório da III Conferência Mundial Contra o
Racismo. Estávamos hospedados no mesmo hotel e Sérgio Martins nos apresentou.
Eu apertava a mão dele embevecida, já conhecia sua história e era fã. Ele
sorria simpático, solícito. Eu, completamente desconsertada, disparei: como o
senhor é jovem. Ele riu solto e respondeu: se sou tão jovem, você não vai me
chamar de senhor, não é? E assim, começamos a conversar. Não sei o que falei ou
ele, lembro-me que quando nos despedimos, Joaquim me deu um cartão e disse que
o procurasse, caso pudesse ser útil em algo.
Depois disso,
ainda nos encontramos em Santiago (ou terá sido em Quito?) e mais uma vez ele
me impressionou. Conversávamos no jardim, durante um intervalo dos trabalhos e
aproximou-se uma jovem jornalista, pediu licença, nos cumprimentou e perguntou,
em espanhol, se Joaquim não poderia preparar um artigo para o jornal que
circulava diariamente durante a semana de trabalhos. Joaquim assentiu: claro
que sim, com prazer! Em que língua?
Não se tratava
de um esnobe, como os apressados podem inferir, mas de um homem atencioso, que
fala várias línguas e queria saber da jornalista em qual delas, dentre aquelas
em que é fluente, seria mais adequado escrever para o jornal que obedecia o
critério da ONU, de acolher manifestações em qualquer uma das seis línguas
oficiais.
Um dia lancei
mão do cartão ofertado por Joaquim e o convidei para falar sobre o tema da
constitucionalidade das ações afirmativas para adolescentes e jovens negros,
com os quais trabalhava. Ele interrompeu as férias para me atender, tanto ao
telefonema, quanto ao chamado para a palestra e me disse de cara: Cidinha, esse
tema não é árido demais para os meninos? E convicta, respondi: não! Nada de
aridez! Eles precisam conhecer a letra da lei para praticar a autodefesa.
Quando Joaquim
chegou ao nosso espaço de trabalho, uma hora antes do horário do início da conversa,
emocionada, levei-o ao local onde ele se acharia em casa, a biblioteca, e lá,
tinha certeza, reconheceria o esmero que tivemos para montar o acervo. Deu
certo! Ele elogiou os livros que abrigávamos por lá.
Neste 22 de
novembro, assistir pela TV a posse de Joaquim Barbosa como Presidente do Supremo,
é como assistir a reeleição de Obama nos EUA, a mesma emoção. A posse de minha
irmã Cida Moura, como Professora Titular da Escola de Ciências da Informação da
UFMG, ocorrida dia 20 de novembro, tem sabor diferente. É o gosto da vitória da
minha geração. Eu sinto que fui aprovada no concurso e tomei posse junto com
ela.
Cida Moura não
passa a ser minha irmã porque agora é Professora Titular, nada disso! Somos
irmãs desde o tempo em que pareamos esteira e saudamos nossa mãe. Desde quando
ouvi pela vez primeira, um bolachão do Olodum e outro do Ilê Aiyê na casa dela.
Desde o tempo em que Ana, minha sobrinha mais velha, era menina e hoje é
bailarina esplendorosa, encantando os palcos do mundo.
Cida é mulher
simples, discreta, trabalhadora incansável, orientadora atenciosa e
perfeccionista, paciente e compreensiva, sem abandonar o alto nível de
exigência. É mãe amorosa e presente. É amiga dedicada e solidária. É admirável,
enfim. Fará muito bem à conservadora UFMG, uma das universidades brasileiras
mais refratárias à adoção de ações afirmativas institucionais de combate ao
racismo, a convivência com Cida Moura como Professora Titular. Funcionária de
carreira, concursada, legitimada por méritos individuais, singulares e
irretocáveis, como propugnam os detratores das ações afirmativas. Embora
saibamos que as implicações da badalada construção da idéia de mérito, para
negros e brancos, seja profundamente diferente (e desigual).
Desejo, minha
irmã, que você não seja cristalizada no lugar de exceção. Que Oxum devolva
refletidos no espelho, os olhares ruins que, por desventura ousem te dirigir.
Que as águas te protejam dos vendavais externos, tal qual a placenta protege o
que está sendo gerado. Que você tenha saúde, alegria, amor, perfume e mel pelo
caminho. Ora iê iê ô! Ora iê iê!
Fotos de Cida Moura, escolhidas por Ana Pi, a filha!
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