Os três mosqueteiros, Jorge, Márcio e Afonso
Por Cidinha da Silva
Caríssimos
autores de Lado a lado, Cláudia Lage e João Ximenes Braga, mui respeitosamente,
quero perguntar-lhes por que Olavo, Vilmar e Elias, os três garotos negros de
Lado a Lado, não frequentam a escola???
Certa estou de
que as competentes historiadoras que os assessoram são sabedoras de que o fim
do século XIX e as primeiras décadas do XX foram palco de discussões acaloradas
e ações múltiplas para promover a educação da população negra descendente de
pessoas escravizadas. Caso não saibam, fato bastante compreensível, posto que
não abarcamos todos os campos, sugiro consulta aos trabalhos de Marcos Vinicius Fonseca
e Ana Flávia Magalhães Pinto, historiadores da educação e da imprensa e grandes
conhecedores do período.
Notava-se,
naquele momento histórico, entusiasmo generalizado pela educação, como caminho
de superação dos atavismos da escravidão. Havia o que alguns historiadores
chamam de “ação branca” para abordar o problema da educação dos negros. Elites
intelectuais e políticas pregavam a necessidade de os negros serem
escolarizados para atender aos fins pragmáticos dos interesses dos brancos, de
transformá-los em bons trabalhadores e bons cidadãos.
Paralelamente,
havia a “ação negra.” Os jornais da Imprensa Negra (outro tema merecedor da
atenção dos autores – quem sabe a antenada Isabel não teria acesso a um desses
periódicos?) apresentavam editoriais e artigos instando a população negra a
participar da educação formal, a eliminar o analfabetismo entre os pares. Desde
o século XIX havia escolas de/para negros, conduzidas por professoras e
professores negros em suas próprias casas, sendo que alguns chegaram mesmo a
constituir escolas integradas ao sistema formal de ensino. O Colégio
Perseverança, de Campinas, por exemplo, surgiu ainda no período escravista, em
1860. Lá, estudavam meninas negras e mestiças que tinham alguma condição
econômica, mas também meninas pobres, que não podiam pagar.
Será muito legal
que Zé Maria (Lázaro Ramos) ensine a Capoeira ao pequeno Elias (Afonso
Nascimento Neto) e a Olavo (Jorge Amorim), seu doce protetor, assim como o
velho africano Benedito ensinou arte em movimento ao menino Vicente, que viria
a tornar-se o lendário mestre Pastinha. Mas, é importante que, junto com Olavo
e Elias, Vilmar (Márcio Rangel), de alguma forma, incorporem a discussão sobre
a escolarização dos negros na trama.
É coerente que a
mãe (Ana Carbatti) e a tia dos garotos, Berenice (Sheron Menezzes), dado o
caráter duvidoso de ambas, não se importem com a escolarização dos meninos. Não
faz sentido, entretanto, que mais ninguém à volta deles, note a questão. O enredo
fica desarmônico quando gente como Jurema, Zé Maria, Afonso, Chico, personagens
preocupados com o destino coletivo dos negros, sequer percebem que dois
rapazinhos e uma criança negra, de estrito convívio com eles, não vão à escola. O tema poderia ser pauta de conversa frugal entre Isabel, uma mulher à
frente do próprio tempo, e Laura, uma professora atualizada e sensível, assim,
na cozinha, enquanto elas preparam uma refeição. O que não é possível, nem
aceitável, é que todos naturalizem a ausência de escola formal na vida dos três
meninos negros de Lado a lado. Falta coerência humana e também com o tempo
histórico.
Além da passagem
pelas várias publicações de Ana Flávia Pinto e Marcos Vinícius Fonseca, sugiro a
leitura de Diário de Bitita, no qual há dados preciosos sobre a relação da especial
criança negra Carolina Maria de Jesus com a educação formal da década de 1910.
A escola precisa ser um tema da vida das três crianças negras de Lado a lado. Aguardamos!
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