Golias Siwek e Thor Batista
Por Cidinha da Silva
O
braço flutuava no córrego há dez minutos. Golias Siwek o tinha arrancado de
David na avenida de arquitetura em vidro há meia hora. Só há um minuto o
motorista percebera o braço pendurado no pára-brisa. Tratou logo de dar destino
a ele, a água fétida do esgoto.
David,
às 5 da manhã, pedalava rumo ao trabalho de limpador de vidros. Quem mora no
Pantanal de São Paulo pedala por necessidade econômica ou condicionamento
esportivo. O extremo Leste é o fim do mundo, nem sobra tempo para lembrar do
que resta da camada de Ozônio.
David
foi atropelado por Golias Siwek, como Wanderson, meses antes, fora vítima fatal
da McLaren do poderoso Thor. Thor disse a Golias por telepatia que a situação
poderia ficar feia para ele, veja bem: no caso de Thor a noite era preta,
Wanderson também, tudo preto, ele não viu nada. O pai, homem muito considerado,
tratou de dizer isso a quantos estivessem dispostos a fazer vistas grossas depois
das mãos molhadas. Golias vacilara, atropelou o cara pela manhã, deixou
testemunhas. Ficou com aquele braço desagradável no carro. Por que não se
livrou daquilo logo? “Porque não vi, caralho! Porque não vi! Eu tava preocupado
em fugir, tinha medo de ser linchado. Não vi o maldito braço do menino agarrado
no carro.”
Thor fora mais efetivo deixara Wanderson
despedaçado no chão, nenhum membro ficou grudado a McLaren. A classe média
branca acuada, temerosa e sombria, reclama desses cronistas que vêem classe em
tudo. Golias é um monstro sem humanidade, só isso! É que uns são criados e
protegidos para que possam se exercitar naturalmente desumanos sobre outros
naturalmente invisíveis e insignificantes. Pela classe, pela raça, pelo gênero,
pela idade. Se Thor tivesse sido responsabilizado pelo homicídio de Wanderson, Siwek
não acharia natural dirigir em zigue zague na Paulista e não seria Golias
arrancando o braço de um indefeso David, ciclista sem atiradeira.
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