Sobre o escritor Fabião das Queimadas
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Fabião das Queimadas posa para seu único registro fotográfico |
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O folclorista Câmara Cascudo, no seu livro "Vaqueiros e Cantadores",
descreve-lhe o tipo físico do poeta. Ele era um negro baixo, entroncado,
robusto, de larga cara "apratada" e risonha, nariz de congolês.
Tinha os olhos tristes de escravo, conservava a dentadura intacta e um
bom - humor perene.
Nascido escravo, o notável poeta pertenceu ao major José
Ferreira da Rocha, nas Queimadas das férteis terras de Lagoa de
Velhos. Fabião, começou a vida como agricultor e vaqueiro.
Há uma grande suspeita de que o poeta é filho de José
Ferreira com uma escrava. Porém, foi encontrado pelo pesquisador
Hugo Tavares Dutra na Arquidiocese de Natal, a certidão de casamento
de Fabião datada de 17 de novembro de 1881, na qual consta que
este era filho de um escravo chamado Vicente. Mesmo assim, a possibilidade
do poeta ser filho de José Ferreira não está descartada.
Com dez anos o poeta já cantava. Aos dezoito anos de idade, o
poeta não se conteve e com algumas economias que fez no trabalho
da agricultura, juntando dinheiro vendendo couro de animais, mel, legumes
e frutas que plantava conseguiu comprou uma rabeca, pois essa rabeca passava
a ser um instrumento não musical, mas com ela saiu cantando e tocando
suas toadas e seus repentes pelas vaquejadas, pelas casas e povoados simples
de sua região. Note o amor com que o poeta dedica esta redondilha
ao seu instrumento:
"Essa minha rabequinha
É meus pés e minhas mãos
É meu roçado me mio
Minha pranta de feijão
Minha criação de gado
Minha safra de algodão."
É meus pés e minhas mãos
É meu roçado me mio
Minha pranta de feijão
Minha criação de gado
Minha safra de algodão."
Com esse propósito o poeta conseguiu ganhar dinheiro o suficiente
para comprar a sua própria liberdade por 800$000 (oitocentos mil
réis) e posteriormente a de sua mãe Antônia por 100$000,
Antônia e de uma sobrinha, Joaquina Ferreira da Silva por 400$000,
conhecida como "Sinhaninha" com a qual o poeta casou e tiveram
quinze filhos.
"Quando forrei minha mãe
A lua saiu mais cedo
Pra clarear o caminho
De quem deixava o degredo"
A lua saiu mais cedo
Pra clarear o caminho
De quem deixava o degredo"
Ao dizer "forrei" o poeta faz uma referência à
compra da carta de alforria de sua mãe com o dinheiro que ganhava
tocando rabeca.
Para se ter uma idéia da facilidade com que o poeta versificava
de improviso sabe-se que num dia de chuva em Barcelona o poeta fazia compras
no armazém de Oscar Marinho de Carvalho. Como as embalagens eram
de papel, ele resolveu esperar a chuva passar. O comerciante então
lhe fez um desafio prontamente aceito pelo poeta - Fabião, diga-me
uns versos que terminem com "adeus minhas encomendas que você
pode levar sua feira de graça. Fabião tirou o seu chapelão
e olhando para a chuva que caia lá fora recitou algo que até
a criação da PORTAL VIRTUAL BARCELONA permanecia inédito:
"Numa chuva com relâmpago,
Não há trovão que não gema
Nosso patrão tá dizendo:
Adeus minhas encomendas".
Não há trovão que não gema
Nosso patrão tá dizendo:
Adeus minhas encomendas".
Considerado o primeiro rabequeiro de que se tem notícia no Rio
Grande do Norte, Fabião era figura conhecida no interior do Estado,
Fabião das Queimadas não era cantador de feiras. Cantava
na casa dos amigos e dos ricos, com ou sem remuneração alguma.
Tinha verdadeira paixão pelas vaquejadas. Era uma espécie
de repórter. Gostava de acompanhar os vaqueiros na captura de um
barbatão e assistia a uma vaquejada observando atentamente todos
os lances para melhor se inspirar nos seus bonitos versos. Sabia contar
todos os acidentes ocorridos e, como era bom poeta ee cantador, encarnava-se
no cavalo ou na rês. Além dos chamados romances da literatura
de cordel, também gostava de fazer trovas de improviso. Usava habitualmente
um inseparável chapéu de couro, símbolo do vaqueiro
nordestino.
Fabião tinha uma verdadeira admiração pelo famoso
cavalo Castanho da fazenda Divisão, encravada no município
de São Paulo do Potengi. Contam que, ao saber da morte do "Castanho
da Divisão", encarnou-se no animal e disse de improviso a
seguinte trova:
"Gostei de correr o gado
Quando eu tinha boa esteira.
Novilha, boi, vaca e touro
Pra mim não tinham carreira".
Quando eu tinha boa esteira.
Novilha, boi, vaca e touro
Pra mim não tinham carreira".
Conta Sátiro Adelino Dantas que,nos idos de 1920, o poeta do Potengi
resolveu fazer uma visita ao coronel José Bezerra de Araújo
Galvão, o todo-poderoso coronel Zé Bezerra da Aba da Serra.
0 coronel não se encontrava em Currais Novos. Estava invernando
na famosa fazenda Aba da Serra. Fabião não perdeu tempo.
Viajou imediatamente até o solar do velho patriarca do Seridó.
Lá chegando, foi recebido fidalgamente pelo coronel e seus familiares.
Conversa vai, conversa vem, lá pras tantas um amigo do coronel
solicitou ao poeta fazer um elogio em versos ao coronel José Bezerra.
Fabião, então, improvisou a seguinte sextilha:
"Aqui na Aba da Serra
Não é pra ninguém subir.
Só se fôr de Currais Novos,
Ou então do Acari,
Ou Fabião das Queimadas,
Poeta do Potengi."
Não é pra ninguém subir.
Só se fôr de Currais Novos,
Ou então do Acari,
Ou Fabião das Queimadas,
Poeta do Potengi."
Câmara Cascudo convidou o poeta para fazer um passeio. Através
do folclorista, o poeta conheceu muita gente importante da capital e no
interior. Pessoas como o governador Ferreira Chaves e Eloi de Souza. Este
último, grande admirador da inteligência e dos versos inspirados
do poeta popular. Eloy providenciou que fosse tirada uma foto do poeta,
que hoje é sua única foto conhecida. O poeta dos vaqueiros
foi estudado por Ariano Suassuna e Orígenes Lessa, além
de ter sido musicado por Antônio Nóbrega.
Em 1910, Alberto Maranhão (1872 - 1944) era governador do Rio
Grande do Norte e estava invernando na sua fazenda Cachoeira, localizada
no atual município de São Paulo do Potengi. 0 governador
era um homem enamorado da poesia. O poeta chegou a cantar até no
Palácio do Governo. Fabião era quase vizinho do Alberto
Maranhão, pois sua pequena propriedade Riacho Fundo ficava a poucos
quilômetros da fazenda Cachoeira.
Certo dia, Fabião das Queimadas apareceu para fazer uma visita
a Alberto Maranhão. 0 anfitrião solicitou a Fabião
que cantasse alguns romances sertanejos. 0 poeta atendeu de imediato a
solicitação do governador. Acompanhando-se da sua famosa
rabeca, cantou alguns romances. Depois, passou a declamar quadrinhas.
Outra vez, também na residência oficial do Governador, saudou
com esta quadra o Senador Elói de Sousa, um dos grandes vultos
da política de então, o qual não se envergonhava
do sangue negro que lhe corria nas veias:
"Seu doutô Elói de Sousa,
Minha mãe sempre dizia,
Se o senhô não fosse rico,
Era da nossa famia."
Minha mãe sempre dizia,
Se o senhô não fosse rico,
Era da nossa famia."
Fabião tinha muita estima por seus filhos. Filipe Ferreira da
Silva, ou Filipe Fabião, e Fabião Filho, ou Fabião
Novo. O primeiro dedicou-se desde muito moço ao trato com a terra.
O segundo era o caçula da família. Fabião Filho era
um menino vivo, inteligente e despontava alguma vocação
poética O velho Fabião tinha esperança de que o seu
caçula fosse um dia o seu substituto na arte da poesia. Tanto que
uma vez fez a seguinte trova:
"Eu sou o Fabião véio,
Divertimento do povo;
Morrendo Fabião véio,
Vai ficá Fabião novo."
Divertimento do povo;
Morrendo Fabião véio,
Vai ficá Fabião novo."
Para decepção do velho poeta. Fabião Filho começou
a apresentar sintomas de loucura, doença que progredia cada vez
mais. Doente e acabado, esperando a visita da morte a qualquer momento,
Fabião das Queimadas fez o seu último verso em sextilha,
cujo teor é o seguinte:
"Quando ouvirem falá
Que Fabião véio morreu,
Todos pode acreditá
Que a semente se perdeu:
De muitos fio que tive
Nenhum saiu que nem eu".
Que Fabião véio morreu,
Todos pode acreditá
Que a semente se perdeu:
De muitos fio que tive
Nenhum saiu que nem eu".
Encontro entre Fabião das Queimadas e Castro Alves alguma relação.
Fabião nasceu escravo em 1848 e foi o poeta dos vaqueiros. Castro
Alves, nascido em 1847, foi o poeta dos escravos. A instrução
e os anos de vida é que foram muito diferentes entre os dois. Fabião,
quase analfabeto, morreu com 80 anos. Castro Alves, estudante de Faculdade,
tinha apenas 24 anos ao falecer.
Fabião das Queimadas morreu aos 80 anos de idade, em 1928, na
sua pequena propriedade chamada Riacho Fundo em Barcelona vitimado pelo
tétano quando se feriu num espinho de macambira quando viajava
montado em um burro. O poeta está enterrado no cemitério
local de Barcelona. Fabião Filho continuou a definhar e, pouco
tempo depois, também morreu. Tinha 26 anos de idade.
Fabião das Queimadas deixou inúmeros romances sobre bois
e cavalos de sua região, como A Vaca Malhada e o Boi Mão
de Pau, dentre outros que ele cantava e sempre acompanhado da sua inseparável
rabeca.
Nas suas cantorias sempre repetia o seu "Redondo, Sinhá",
que era uma espécie de coro. Em determinados versos, também
servia de prefixo. Fabião era analfabeto, por isso gostava de ditar
para alguém escrever versos ou quadrinhas de sua autoria. Calcula-se
que tenha extraviado 90% de sua produção. É lamentável,
mas infelizmente o folclore do Rio Grande do Norte muito perdeu da literatura
de cordel do famoso poeta dos vaqueiros.
Fiel ao ditado que diz que santo de casa não obra milagre Fabião,
um dos maiores poetas populares do Brasil, não tem nada em sua
homenagem em Barcelona. Nenhuma rua, praça, biblioteca ou escola.
A
morte do touro mão de pau
"À memória
de meu pai que tendo sido assassinado também preferiu a morte à
desonra, a 9 de outubro de 1930"
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Clique e leia o original de o Romance
do boi mão de pau criado por Fabião
das Queimadas.
- Canta alegre os passarinhos
- do outro lado do rio
- uns cantam por que tem fome
- outros cantam por ter frio
- uns cantam de papo cheio
- outros, de papo vazio.
- Fabião das Queimadas
Breve história da rabeca
Essa idéia de tocar um instrumento de cordas friccionando
um arco começou há muito tempo, com um povo de um lugar muito longe, mais
perto de onde o sol se levanta e as histórias duram mil e uma noites.
Era um povo árabe, que dominou a Europa por longos anos e lá deixou muitas
idéias, inclusive a desse instrumento, que eles chamavam de rabãb. Na
Idade média, os trovadores e menestréis mexeram no dito instrumento: nas
cordas, na forma, na afinação, no modo de tocar e passaram longos anos
cantando amores e dores acompanhados pelo que ficou batizado de rabeca.
São utilizadas em nossas músicas folclóricas.
O músico em geral, apóia o instrumento no peito ou no ombro esquerdo.
Para tocá-las os rabequeiros apóiam uma extremidade do instrumento
sobre o ombro esquerdo (ou direito) e outra parte suspendem levemente
com o peito. Era assim que procediam os tocadores de viola da Idade Média.
Nos palácios, a música evoluía pedindo mais virtuosismo.
As rabecas são instrumentos, cuja sonoridade
é estridente, fanhosa e ao mesmo tempo tristonha. Ela tem
som grave, com três ou quatro cordas. Os prelúdios e os interlúdios
executados na rabecas são denominados "repinicados".
Mas as mudanças continuaram, de acordo com a necessidade dos músicos.Por
isso a rabeca é encontrada em vários tamanhos. Os mais conhecidos
são a rabeca-violino, a rabeca-viola e o rabecão.
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Rabeca
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No século XVI, na região de Cremona, norte da Itália, nasceu o Violino,
que se divorciou da rabeca. O primeiro, considerado modelo de perfeição,
encastelou-se no universo erudito e sofreu apenas mais algumas pequenas
modificações, principalmete a partir do período clássico, para ampliar
a capacidade sonora, consolidando-se na forma imortalizada até hoje. A
rabeca, sem o mesmo status do primo rico, sobreviveu nas mãos de artesãos
e fiel à oralidade das tradições culturais populares, dando continuidade
às mutações como numa brincadeira de telefone-sem-fio.
"Fabião das Queimadas
Era pequeno, me alembro
do cantadô Fabião;
Sua rabeca, seu baião
gemedô...
Poeta improvisadô
nego véi inteligente,
perigoso no repente
da poesia.
Onde cantava corria
um povão pra escutá
o poeta sem iguá
na ribeira.
E cantava a noite inteira
história de apartação,
das vaquejadas de então
que havia.
Sua rabeca gemia
no seu "Redondo Sinhá"
e a gaiganta retinia
num canto sentimentá".
Cosme Ferreira Marques
Era pequeno, me alembro
do cantadô Fabião;
Sua rabeca, seu baião
gemedô...
Poeta improvisadô
nego véi inteligente,
perigoso no repente
da poesia.
Onde cantava corria
um povão pra escutá
o poeta sem iguá
na ribeira.
E cantava a noite inteira
história de apartação,
das vaquejadas de então
que havia.
Sua rabeca gemia
no seu "Redondo Sinhá"
e a gaiganta retinia
num canto sentimentá".
Cosme Ferreira Marques
Leia também: Versos de Fabião das Queimadas e A arte de Fabião ainda está viva
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