Certa vez, uma senhora, sexagenária, comentou sobre o
filho de 23 anos que havia perdido. Eu mencionei uma criança de 10 do meu
inventário de perdas e ela me disse: “Não posso imaginar a dor desses pais” e
contou algumas das coisas que tinha podido viver com o filho de 23. Eu fiquei
calada, observando a humanidade desbordante daquela mulher.
Há pessoas, entretanto, que diante do choque da
morte de uma criança, lembram a tia de 86 anos falecida há pouco, de morte
natural e pensam que é a mesma coisa, a mesma dor. Não é não! E torço para que
morram sem sabê-lo. Que não tenham que perder uma criança, adolescente ou jovem
amado, para entender o quanto isso é diferente de perder alguém depois de uma
vida adulta vivida.
Há outras pessoas, tão brutalizadas pela vida, que diante
do sentimento de dor de alguém abalado pela implacável Icu, conseguem perguntar
secamente quem era, de onde era, o que fazia a pessoa morta.
O certo é
que Icu nos põe assim pelo avesso, frente a frente com sentimentos viscerais: A
raiva, a revolta, a incompreensão, o vazio, a noção de justiça ou a falta dela,
a perplexidade. Poucas vezes conseguimos aceitar sua ação em paz. Em silêncio.
Eu, agora
preciso ouvir Gil, meu poeta, aquele que diz o que sinto quando a voz me falta:
“Não tenho
medo da morte / mas medo de morrer, sim / a morte é depois de mim / mas quem
vai morrer sou eu / o derradeiro ato meu / e eu terei de estar presente / assim
como um presidente / dando posse ao sucessor / terei que morrer vivendo /
sabendo que já me vou (...) quem sabe eu sinta saudade / como em qualquer
despedida.”
E, se morrer ainda é mesmo aqui, nos resta saudar a
vida, não morrer em vida, que gente nasceu para brilhar, assim como brilhou
nosso Jarbas, o Ébano Majestoso, que ontem foi estrelar o Orun, nos deixando
aqui com a responsabilidade de honrar a vida que ele viveu, ao vivermos também,
em plenitude, a nossa.
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