Encontro de gerações

O Encontro de gerações: Teatro, Literatura, em verso e prosa, Música Popular Brasileira e Hip Hop, aconteceu no Museu Afro Brasil, em São Paulo, nos meses de agosto e setembro de 2007. Foi organizado pelo Mestre Oswaldo de Camargo e estabeleceu diálogos entre o ator Sidney Santiago e a atriz Dirce Thomaz; os escritores Edimilson de Almeida Pereira e Oswaldo de Camargo; a escritora Ruth de Camargo e o escritor Paulo Lins; os músicos Paulinho da Viola e Rapin Hood, todos (as) negros (as). Os depoimentos e debates estão registrados na publicação “Negras palavras – Encontro de gerações” do Museu Afro Brasil. Li atentamente a revista e percebi em todos os depoimentos uma compreensão geracional do ser negro no Brasil, vinculada, ora aos setores mais atrasados, ora aos setores de ponta do Movimento Negro, ou ainda a uma perspectiva individualista de “salvação do mundo negro”. Leiam a publicação e concluam por vocês mesmos. Por ora, fiquem com alguns trechos selecionados por mim, dos depoimentos de Edimilson de Almeida Pereira e Paulo Lins, dois escritores aos quais muito admiro. Trechos de Edimilson de Almeida Pereira: “Pelo filtro da minha sensibilidade de negro tudo pode passar. Esta é a minha literatura, esta é a minha geração (...) Se fôssemos pensar, só a título de exemplo, a oralidade das populações indígenas é um recurso teórico, cultural, estético imensurável, à disposição da nossa legitimidade poética. Então, esse primeiro aspecto me diferenciou muito, em termos de trajetória literária, e essa oralidade está muito presente em minha obra. Reelaborada, reconstruída, como um aspecto muito significativo. O outro dado foi marcadamente a questão econômica. Eu venho de família pobre, mas a pobreza – eu me lembro bem -, na minha experiência de família, nunca foi um percalço intransponível, nunca foi um obstáculo para as realizações, sobretudo de experiências coletivas. Olhando hoje, com um pouco mais de atenção, com um distanciamento mais crítico, me lembro dos escritos do Milton Santos quando ele fala, em determinado momento, sobre a capacidade que as populações têm, às vezes, de transformar a precariedade em competência existencial. Até intuitivamente, a minha experiência familiar sempre foi muito esta: usar o mínimo e, do mínimo, extrair o máximo de representatividade social, cultural. Esta inversão da ordem da miséria para uma ordem da competência construtiva do discurso sempre foi algo que me chamou muito a atenção e, de algum modo, isso está presente no meu texto poético: uma economia de recursos, de linguagem, um verso seco, antimusical. A tentativa é, justamente, provocar no leitor essa pesquisa por um sentido que está lá, mas que não é dado gratuitamente (...) Se eu pretendo fazer um discurso que poderia pôr claramente em uma boa prosa, por que eu vou colocar em verso e atribuir àquilo a condição de poesia? Por que está em versos? Ledo engano. A poesia não precisa estar em versos. Não é o verso que faz a poesia, o que faz a poesia é puro mistério. É uma visão nova, renovada (...) Quando um escritor é africano, ele não precisa propalar aos sete ventos que é africano. A qualidade, a envergadura do seu texto poético, a preocupação com o conhecimento da palavra, o domínio do discurso, o domínio da diversidade do mundo, isso vai ser caminho necessário e suficiente para dizer que ali há ‘tigritude’, ou seja, que ali há africanidade (...) Dentro do nosso contexto histórico-social discriminatório essa afirmação é fundamental. É importante que o autor negro diga que é negro e porque é negro. Mas também há um risco nisso; na medida em que você cerceia do poeta negro e do não-negro o direito de dizer outras coisas, nós assistimos a um conjunto de obras, em um certo momento, que se reduzem ou reduzem a experiência criativa do afro-descendente a esse único discurso. Isso tem gerado, e a minha geração de certa maneira é crítica disso, uma outra perspectiva: a de que você não tem que necessariamente fazer do texto o único espaço de afirmação dessa afro-descendência e nem transformar este discurso em uma reduplicação de si mesmo, porque você acaba criando uma armadilha que impede o próprio poeta afro-descendente de reconhecer nas culturas do mundo a diversidade que ela tem”. Trechos de Paulo Lins: “Na minha vida o ato de escrever é recorrente desde que eu nasci. Uma vez estava conversando com um amigo e ele me perguntou: ‘Quando você se tornou escritor’? E eu disse que não me tornei escritor, eu nasci escritor. Porque tem poemas que eu fazia e minha mãe escrevia, porque eu não sabia escrever. Quando eu fazia uma coisa errada minha mãe falava ‘olha, você não vai escrever hoje, não’; aí eu parava. Meu castigo era não escrever. Então, eu tenho uma ligação muito forte com a literatura, com o escrever, desde criança. Depois que eu fiz Cidade de Deus, fui para o cinema, trabalhei no filme de Cacá Diegues, Orfeu; trabalhei para a televisão, cidade dos homens; em Quase dois irmãos, um filme da Lúcia Murat, e outros filmes. Agora estou fazendo um longa, que também é sobre violência, uma adaptação para o cinema de uma música do Renato Russo, Faroeste caboclo (...) O Hip Hop é poesia urbana, porque se você unir a história do negro e a criminalidade, acabou tudo. A criminalidade é uma circunstância do Brasil e quem é o mais pobre vai ficar na rabeira da situação. Como historicamente o negro está na rabeira da sociedade – isso em termos financeiros, é bom deixar isso bem claro -, se você for falar de criminalidade, vai falar de negro. Eu não trabalhei com o negro, trabalhei com a criminalidade. O Hip Hop não é empretecido, não é uma coisa de negro, é poesia urbana.”

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