Volver aos vinte (texto inédito)

Toda pessoa às vésperas de terminar a infância deveria ter a chance de revisitar aquele grande amor dos vinte anos. Ouvi, outro dia, que certos povos africanos só consideram adultas, pessoas acima de quarenta e dois anos. Antes disso, todo mundo é criança. Reviver aquele amor por uma noite, um dia, uma semana, um mês, talvez, quem sabe, viver o namoro outra vez, deveria ser prerrogativa do fim da infância. Aquele amor que te ensinou o caminho das flores, que pela mão te mostrou a rota das estrelas, sem pressa, sem atalhos. Aquele amor que aplacou o furor hormonal e anteviu a amante magnífica que serias aos trinta. Que te levou a compreender o essencial da vitória da tartaruga sobre a lebre na corrida - chegar devagar é mais gostoso. Aquele amor que ao te descobrir, descortinou para ti mesma quem eras. Aquele amor que fez loucuras para estar contigo, e tu fizeste outras tantas, quase requerendo camisa de força, ambas. Aquele amor que trouxe o sol para tua vida, encantou tua beleza e explodiu teu viço. Amor dos vinte, quando achavas que todas as estradas eram caminho. Ao findar a infância, eis que chega a hora de testar a flexibilidade impingida pelo óleo do tempo às juntas de camelo, dobraduras do corpo, aprendiz de bambuzal ao vento. Tantas saudades e descobertas, o adeus à sofreguidão, sem alarde, o beijo - um toque de alaúde, de harpa, de flauta transversal - que não incendeia mais ou menos, é apenas o melhor beijo que o final da infância poderia te ofertar. É dadivoso se reencontrar no amor dos vinte, todas as pessoas merecem fazer essa viagem, inclusive aquelas que se casaram com o amor e estão junto dele aos quarenta... Jeito bom de começar a vida adulta. (Arte: Iléa Ferraz, da série "Dança com sol")

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