Isabel e Zé Maria
Por Cidinha da Silva
Há vários capítulos Isabel
(Camila Pitanga) mostra-se comovida e preocupada com os sentimentos de
humilhação vividos por Zé Maria (Lázaro Ramos) face à obrigação de conviver com
Albertinho (Rafael Cardoso), bem como com a lembrança de que Elias (Afonso Nascimento
Neto) é filho deste e não daquele. Elias é o fruto do ato sexual inaugural da
mulher amada por Zé Maria com outro homem, antes dele, por suposto.
A dor de Zé é dor de macho, mas é
também dor de homem culpado pelo abandono da noiva no altar para juntar-se a
outros homens negros que defendiam o próprio povo do despejo arbitrado pela
polícia, cujo delegado o leva desacordado para a delegacia. Já no momento do
inquérito, Zé inventa um nome para proteger-se do enquadramento na lei de
vadiagem, que limitaria sua vida para sempre, e acaba por impedir, ele mesmo, que
a amada o encontrasse.
O amor tem dessas coisas, prega
esse tipo de peça. Quando quebra, quando não dá certo, é aquela busca insana para
saber onde quebrou, por que quebrou? Como e quando aconteceu? O martelo do
desespero golpeia o cerebelo, implacável, mas, massa de bolo desandada não tem
conserto. Tem sido assim para todos nós, reles mortais apaixonados, desde que o
mundo romântico é mundo, imagine a confusão mental de Zé Maria, um herói, um
semi-deus!?
Mas, herói que se preza tem pelo
menos uma heroína à altura, podendo até ter duas, porque heróis estão em baixa
nas prateleiras dos supermercados e é preciso dividir o pão. A heroína de Zé é
Isabel que, em seu papel magnânimo compreende todas as nuances do infortúnio do
amado, ausculta-lhe o que vai nas franjas do peito combalido e decide terminar
o noivado. Não é justo que Zé Maria seja acuado pela presença desagradável de
Albertinho em torno de Elias, eco de um envolvimento do passado. Então, como
senhora da justiça, dona da verdade, Isabel decide o que é melhor para todos e
encerra o relacionamento com Zé. Não sem antes magoá-lo, ao dizer que ele
atrapalha a vida dela.
A fórmula funciona no folhetim e
na vida real. Ter o ego ferido é algo que nos enlouquece, dilacera o orgulho,
mortifica a vaidade. Quando você ama uma pessoa profundamente, alguém que não
te amou tanto assim, você sabe, você sabia, mas digamos que o amor dela te
bastasse, afinal você amava demais, amava pelas duas, você quer que o amor se
realize a qualquer custo. Você ainda ama e se ilude ao achar que seu amor é grandioso
e superior, a ponto de contaminar a
amada. Contaminará nada! Ela quer se ver livre de você, do seu amor que a
sufoca e o que ela faz? Diz que tudo não passou de um grande equívoco, você foi
um ombro amigo. Letal, ombro amigo é letal para qualquer ego vivo!
Em outras palavras, Isabel chama
o Zé de ombro amigo (aquele que a ajudou no momento mais crítico com Elias),
mente para ele ferindo-o de morte. Ao cabo, ela acha que se não o machucar, não
o libertará para a felicidade. Ela é uma semi-deusa, dona do amor do amado, da
dor e da liberdade do herói para ser feliz. Precisa ferir o grande ego dele,
com as armas do seu próprio ego, ainda maior.
E nós, do outro lado da tela, românticas
inveteradas, estacamos nosso coraçãozinho tolo no medo de que nosso casal 21
não fique junto no final. Queríamos, no fundo inconfessável, ter os super
poderes de Isabel e dominar o destino da pessoa amada. Queríamos definir o destino de quem amamos do alto de nossa
arrogância e autoritarismo, travestidos de bondade e preocupação. Politizadas que somos, enganamos nosso medo
atávico da solidão, da solidão da mulher negra, neste caso, com a afirmação do
compromisso de que o casal negro vingue.
Zé e Isabel formam par romântico
e precisam comer o pão que o diabo amassou em nome do amor para que soframos
junto com eles, torçamos por eles. A fórmula só funciona quando estendemos toda a nossa solidariedade àquela que nos
representa. Para nos ajudar em nosso papel de previsíveis telespectadoras, o terceiro
elemento trata logo de entrar em cena, o ciúme que Isabel sentirá (e nós
também) de outra mulher, supostamente interessada em desfrutar o sexo e o afeto
de Zé.
A pimenta malagueta vem emplumada
como médica branca, bonita, profissional independente (como Isabel) que em caso
de conquista do homem negro, tonificará todos os nossos fantasmas de rejeição e
abandono, ao mesmo tempo em que regozijará aquelas que torcem o nariz para o
modelo altivo de mulher negra representado por Isabel. Os autores nos deixam em
pânico com esse impasse e não perderemos um capítulo sequer, até que o desfecho
desejado se efetive.
Se Fátima (Juliana Knust) e Zé Maria tiverem algum
tipo de affer, sem compromisso sério, o mais provável é que a lama das
convenções sócio-raciais macule as penas da leveza e da brancura (o público
precisa se identificar com a dor das mocinhas e receber a lição de que o amor
deve estar acima de tudo, inclusive das convenções) e Isabel, arrependida, enciumada,
ferida, pedirá desculpas ao amado. Ele a acolherá, apaixonado e seguro de que
Isabel é a mulher de sua vida. O casal negro será feliz para sempre. Nossa
estima coletiva será tonificada e o amor entre negros provará ser possível, a
despeito da tentação branca.
Pode ser também que médica e
objeto de estudos não tenham nada para além da aproximação Medicina e Capoeira,
mas o envolvimento de Zé e Fátima (tenha a natureza que tiver) servirá para
despertar o ciúme de Isabel, algo fundamental para a trama. Isabel precisa
demonstrar suscetibilidade às fraquezas humanas, como todas as outras
mulheres.
Tudo indica que é só um pouquinho
de pimenta no caldo, mais uma separação do casal 21, prévia ao grande final da
família feliz. Zé provará ser um homem que cresceu emocionalmente a ponto de
aceitar o amor filial devotado por Elias
e mais do que isso, o amor de pai que ele nutre pelo garoto.
Mas, se não for assim, que o
melhor aconteça para cada um individualmente, como costuma ser na vida real,
embora não aceitemos este tipo de final feliz.
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