Um princípio de diversidade humana na novela Lado a lado
Por Cidinha da Silva
O núcleo negro de vilões de Lado
a lado apresenta características diversas e interessantes do ponto de vista
humano, dramatúrgico e racial. Caniço (Marcello Melo Junior) começou a novela
como um capoeirista sem personalidade, mero interessado em auferir pequenas
vantagens em tudo, um desonesto insinuante. Ganhou espaço na trama, passou de
cético seguidor de Zé Navalha (Lázaro Ramos) a grande bandido e mau caráter
negro da trama, com cartel respeitável de vilanias a serviço dos brancos.
Zenaide (Ana Carbatti)
transformou-se de coadjuvante manipulada pelas maldades da irmã, Berenice
(Sheron Menezzes), em vilã autoral, protagonista de maus tratos dirigidos a
Elias (Afonso Nascimento Neto), o filho raptado de Isabel (Camila Pitanga). O
crescimento do espaço ocupado por Zenaide a cada capítulo parece ser decorrente
da ótima interpretação de Ana Carbatti que empresta à personagem amargura
ímpar. A caracterização de Zenaide é tão fantástica que quando vejo uma
fotografia de Ana na vida real, não consigo enxergá-la como Zenaide. Isso, a
meu juízo, é construção impecável de personagem.
Berenice, por sua vez, é a vilã-mor
e está ganhando mais espaço. Seu papel é fundamental para o sucesso do
folhetim. Para que a mocinha brilhe, uma antagonista é necessária. Neste caso,
uma mulher linda, tão linda quanto Isabel, mas desfocada, invejosa,
maledicente, destruidora, perversa, contraposta a tudo de bom e nobre que a
mocinha negra representa. O coração ruim de Berenice, suas frustrações, também
nos movem a amar Isabel, para além de suas características altruístas.
A performance de Berenice como
quitandeira nas ruas do Rio cenográfico desperta em alguns críticos o
sentimento de que os autores escorregarão e estereotiparão a mulher negra, à
medida que a bela moça comece a seduzir os homens enquanto trabalha com o
tabuleiro de quitutes. Eu sou do time das que não vêem estereotipia nisso pelo
fato simples de que a personagem de Berenice comporta esse tipo de atitude,
algo que faz parte da diversidade humana de mulheres negras e brancas.
Esse passo se enuncia também
importante no enfrentamento do racismo. Somos diversos, não somos apenas Zé
Maria, Jurema (Zezéh Barbosa), Afonso (Milton Gonçalvez) e Isabel. Somos também
Caniço, Zenaide e Berenice. Somos Joaquim Barbosa e Celso Pitta.
Só não podemos perder o tempo da
História e as nuances de tratamento à diversidade humana de brancos e negros.
Quando Celso Pitta foi justamente condenado por corrupção, decretou-se sua
morte política e pessoal. Os antigos amigos e padrinhos (esse tipo de
personagem negro não tem seguidores, ele segue, apenas) o abandonaram na arena
dos leões justiceiros, relegaram-no ao ostracismo e à decadência moral, física,
por conseguinte, e à morte dolorosa, afinal.
Muita gente boa, tida e havida
como gente decente e pensante, foi para os holofotes da mídia vociferar que
nunca mais votaria em negros para cargos diretivos. Eram testemunhas participativas
do resultado do voto em Pitta. Curioso ou compreensível pelas normas racializadas
que nos regem é que os corruptos brancos não mereceram, tampouco merecem tratamento
semelhante. Estão aí, em plena atividade, felizes, corados e saltitantes,
Collor, Sarney e Renan Calheiros.
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