Entretelas

por Cidinha da Silva no Revista Fórum



O filme tinha sido bonito e doce. Teve certa melancolia, é verdade, mas nada que ofuscasse a complexidade das personagens vivida nas situações cotidianas, a convivência humana e respeitosa entre elas, mesmo marcada pelas idiossincrasias individuais. Tudo isso ajudado pela beleza da fotografia, pela trama bem costurada por diálogos ágeis e boa atuação dos artistas.

O homem mais novo do casal pergunta ao mais velho se este o culpa por ter perdido o emprego na escola onde lecionava música, depois de explicitar ao mundo escolar o amor de 39 anos por ele, companheiro de vida. Afinal, isso os deixara em situação econômica lastimável e por essa razão tiveram que vender o pequeno imóvel onde moravam e foram forçados a viver como apêndices em casas de parentes até reorganizarem a vida. O mais velho, pintor mediano, pergunta ao mais novo se este ficaria frustrado caso ele não conseguisse, um dia, expor em uma grande galeria. Em cena, tudo o que importa, a opinião de quem a gente ama sobre as coisas da vida.

A esposa de um sobrinho dos protagonistas, aparentemente egocentrada, revela-se mãe atenciosa e responsável, companheira solidária e sensual, além de lutar para escrever o novo livro, enquanto resolve os problemas da vida da pequena família, incluindo as necessidades de atenção do velho tio que fala como maritaca e diz que não volta a pintar porque precisa de silêncio e isolamento.

Variados tons, saberes, sons e sabores da homoafetividade desfilam naturalmente na tela, da vida pacata de um velho casal de artistas à experiência agitada das boates e da casa do jovem casal gay, bastante semelhante a uma discoteca aberta todas as noites.

A morte, o mais previsível dos eventos para os seres vivos, prega peças, encerra a vida quando tudo parecia entrar nos eixos, ressignifica o viver de quem fica.

A sala de cinema cumpre sua função de abrigar gente que sai de casa para sonhar, ver filmes, comer pipoca, namorar, atividades concomitantes, ou não. Pena que o escurinho do cinema tenha perdido a sacralidade.

No tempo templário de amor e de fantasia na contemplação da tela grande, os risos nervosos no meio da cena dramática eram abafados por quem temia um psiu do restante da audiência. Hoje, reinam as gargalhadas, solitárias ou em grupo, frente a uma piada no Zapzap exibida na palma da mão, ou, o pior, o farol do smartphone na fileira da frente que embaça os olhos da vizinha ao abri-los depois do beijo.

Nesses tempos de ostentação comunicacional, as relações de amor e dependência entre pessoas e seus aparelhos de manter contato humano são mesmo perturbadoras.




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