A poética de Grace Passô é indicada ao Shell

PRÊMIO

A atriz, dramaturga e diretora mineira concorre na categoria de melhor autor pelo espetáculo “Vaga Carne”

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PUBLICADO EM 08/12/16 - 03h00
O cenário é um corpo de uma mulher. A personagem é uma voz. Assim sintetiza Grace Passô, 36, a primeira imagem vislumbrada para a construção do texto de “Vaga Carne”, espetáculo que acaba de lhe render indicação na categoria de melhor autor pelo Prêmio Shell de Teatro do Rio de Janeiro do segundo semestre. A peça, que estreou neste ano no Festival de Teatro de Curitiba, tem previsão para ser apresentada em Belo Horizonte em fevereiro de 2017.
Com “Vaga Carne”, além da autoria, Grace também lançou-se ao seu primeiro solo e deixou-se permear em cena por questões que lhe afetam. “Essa voz tenta desesperadamente identificar e sondar a identidade de um corpo feminino que, no caso, é de uma mulher negra. Isso abre portas para falar de muitas coisas, dos estereótipos, por exemplo. É uma tentativa de questionar o que vivemos hoje na sociedade, do desejo de afirmar as identidades, de reconhecer o corpo, sua existência e suas memórias”, diz a atriz, diretora e dramaturga.
A primeira casa a receber “Vaga Carne” foi o projeto Janela de Dramaturgia, em 2013, em uma leitura dramática que colocava a obra em contato com seus primeiros públicos. “Ali já era possível ver que o trabalho tem outra proposição em relação ao que ela vinha fazendo. Grac foge da narrativa que antes era fabular e agora traz essa ideia de uma voz”, observa Vinícius Souza, idealizador do projeto que abre espaço para novos trabalhos e reflexões sobre dramaturgia.
Ainda que reconheça pontos distintos, a peça, para Grace, é uma continuação de um gesto poético e da identidade de sua escrita, que se iniciou com “Por Elise”, em 2005. Foi a partir dali que “espancar docemente” tornou-se uma marca estética dela e do Grupo Espanca!, do qual foi uma das fundadoras.
“Me interessa escrever sobre as contradições das relações humanas, a mim e à maioria dos dramaturgos, mas me interesso pela disputa entre o desejo e a ação, o sentir e o agir. Somos matérias contraditórias e, nesse sentido, a nossa violência é doce, o nosso amor é violento”, comenta a dramaturga.
Projeção. O reconhecimento do prêmio, que amplia a projeção nacional da artista já conquistada em outros trabalhos, é sentido de forma quase cotidiana na cena teatral de Belo Horizonte. Pensar a dramaturgia da cidade requer rever o que Grace trouxe de contribuições.
Para Vinícius, que há alguns anos vem acompanhando e pesquisando o campo da dramaturgia, Grace é fruto de uma geração, imersa em aspectos de um tempo e lugar, mas que traz a experiência teatral à uma radicalização do que já vinha sendo desenhado no início dos anos 2000, em especial com a extinta Cia. Clara, da qual ela fez parte, e com a Cia. Luna Lunera. “Grace trouxe essa renovação da palavra para a cidade. Um elemento que a tornou reconhecida nacionalmente foi o gesto de trazer a poesia para o texto do teatro e a metáfora como recurso primordial para dar conta de assuntos amplos”, pontua.
Olhar para o mundo que a rodeia com proximidade também é uma premissa do trabalho da mineira. “Ela trouxe para o teatro questões contemporâneas, dramaturgicamente e cenicamente, ou seja, naquilo que diz respeito ao tema e à forma teatral. Grace repensou as ferramentas teatrais a partir de questões de hoje, como, por exemplo, as relações humanas nesse novo tempo, incluindo a solidão urbana e o medo das pessoas de se envolverem, presente em ‘Por Elise’, a incomunicabilidade e as dificuldades de convivência, em ‘Amores Surdos’”, cita o pesquisador.
“Eu vou sempre ser uma pessoa que faz questão de pensar o teatro como uma realidade contemporânea. O que escrevo vai ser sempre permeado pelo lugar onde eu vivo. O que faz a diferença nesse meu trajeto é o tempo, porque as questões se transformam. É isso o que muda, como estamos vendo a realidade brasileira se transformar a todo momento. Minha relação é sempre de atualidade, de entender, de fato, as vivências do nosso tempo”, afirma Grace.
Quanto à forma, que também se reinventa a cada trabalho, um exemplo diz respeito à fragmentação, também experimentada em ‘Por Elise’. “Ela cria uma estrutura fragmentada de encontros tal qual a forma como nos relacionamos hoje. Outro aspecto é a proximidade com o espectador. Ela fala para o público”, comenta Vinícius.
Homenagem
Grupo Galpão será o homenageado do Prêmio Shell em reconhecimento aos seus 35 anos de trajetória. A cerimônia está prevista para o primeiro trimestre de 2017.

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