Foi bonita a festa
Por Cidinha da Silva
Quando ela subiu ao palco,
gingando, alguém poderia dizer que ia ali uma porta-bandeira experiente, protegendo
o pavilhão da escola e oferecendo-o aos admiradores para a reverência do beijo.
Outra pessoa poderia enxergar uma
senhora da ala das baianas, forte, segura, carregando aquela fantasia pesada e
evoluindo na avenida como se o peso do mundo fizesse parte daquele corpo negro.
Como se carregá-lo fosse o princípio involuntário da reinvenção.
Eu, quando a observei, vi uma
habilidosa dançarina de samba-rock rodopiando já na subida dos degraus e nos
deixando embevecidas pela elegância, fluidez e determinação de cada passo.
Depois do silêncio templário
feito para escutar a Davi Kopenawa, o Auditório Ibirapuera fez um silêncio entrecortado
por ondas elétricas para ouvir a Sueli Carneiro. Era a tensão de não saber o
que seria dito pela lâmina da espada.
Mas é mandingueira essa Sueli
Carneiro. Até para receber um prêmio ela ginga no desfile de sua cadência
banto-paulista de raízes mineiras até chegar ao microfone e empunhá-lo para
dizer o que precisa ser dito. Para nos instar a fazer o que precisa ser feito.
Reza a lenda que um exercício freqüente
para aprender a dançar samba-rock, daqueles treinados à exaustão em casa, antes
do baile, era segurar a maçaneta de uma porta fechada e girar, girar, fazer todos
os movimentos e passos, sem soltá-la. Trocando as mãos, mas sem soltar a
maçaneta.
Sueli Carneiro, exímia dançadora
de samba-rock, nas mesmas proporções em que é conhecedora das manhas do
futebol, deve ter apreendido a essência da lição do exercício fixo na maçaneta,
ou seja, manter o foco na porta (a abertura do caminho) sem descuidar por um
segundo sequer, da flexibilidade do corpo e do espírito dançarino.
Tenho para mim que ela subverteu
o jogo, pois portas fechadas não combinam com sua natureza. Sueli Carneiro é
mulher de abrir portas, todas elas. Abre mesmo portais, porque não teme o novo,
nunca temeu. Talvez por compreender que o melhor do afrofuturismo contemporâneo
está no reconhecimento da tradição, na manutenção dos pilares fundadores e na
reinvenção daquilo que é da ordem da criação e da tecnologia, do princípio
ogúnico da existência.
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