Crônica da semana

Cadeia não é lugar para mulher ou para certas mulheres! Naquele dia a cobra fumou. Duzentos e quarenta policiais armados com metralhadoras invadiram a Daslu, a “Disneylândia dos ricos”, em uma bem-sucedida operação para coibir a sonegação de impostos. A principal acusação: emissão de notas fiscais subfaturadas com conseqüente impacto na arrecadação de ICMs, impostos federais e despesas aduaneiras. Os números eram estratosféricos, como nunca se viu antes: 10 milhões de dólares sonegados em dez meses. Mas alguém disse que era pouco diante das cifras desviadas na construção de obras públicas. O povo não acreditava no que via. O povo da favela vizinha, principalmente. Diz que D. Maria José, mãe de cinco filhos, pegou os três que estavam em casa e escondeu debaixo da cama, enquanto rezava para que os dois que estavam fora não voltassem. Achou que era o fim do mundo – Polícia Federal em loja de rico? Só podia ser o final dos tempos, tratar os ricos como se tratam os favelados. O responsável pela Polícia Federal ficou bravo. Não houve confusão entre ricos e favelados. Péra lá. Não houve invasão. Foi uma operação legal, respaldada por quatro mandados de prisão expedidos por Vara da Justiça Federal e trinta e três mandados de busca e apreensão. Foi mesmo tudo dentro dos conformes. A Fiesp, por sua vez, considerou o trabalho da Polícia Federal uma “arbitrariedade”. Engraçado, os favelados do vizinho estado do Rio de Janeiro só conheceram um mandado de busca e apreensão quando a Benedita foi governadora. Naquele curto período, para entrar em um barraco do morro a polícia precisava ser conduzida por esse instrumento. Eliana Tranchese, dona da loja, foi presa por medida cautelar, prática comum, para evitar, por exemplo, a destruição de provas. A prisão causou comoção entre os ricos, bem-nascidos, aspirantes a ricos e defensores do clube dos abastados. Houve político importante e editor da Folha de S. Paulo aos brados questionadores acerca da justeza da prisão, da operação da PF etc. Um abuso. A polícia chegou perto demais. Dez anos antes fora presa Deolinda Alves de Souza, esposa de José Rainha Júnior, principal liderança do MST em São Paulo. Não havia qualquer acusação formal contra ela, mas como não encontraram o marido, aproveitaram a viagem para prendê-la e, com isso, forçar o Rainha a aparecer. O nome disso é arbitrariedade. A repetição de uma das frases do episódio – cadeia não é lugar para mulher – serve para Eliana, mas não serve para Deolinda. A primeira é branca, rica, empresária e foi detida por acusação de formação de quadrilha, sonegação de impostos, importação fraudulenta e falsidade material. Ficou presa durante dez horas, sendo uma hora e meia aplicada em seu depoimento. Deolinda é mestiça, pobre e integrante do MST. Seu crime: ser cônjuge da principal liderança paulista do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Cinco dias de prisão, humilhação e depoimentos. Passado o escândalo da prisão, na surdina, a Daslu tentou intimidar a Daspu, marca de roupas criada para levantar recursos para a ONG Davida, que luta pelos direitos das prostitutas em todo o país. Na frente das câmeras convidou MV Bill, rapper carioca famoso, para lançar o Falcão: meninos do tráfico, em suas dependências. As colunas sociais que nunca pronunciaram as expressões pobre e negro, naquele dia o fizeram. É lógico que foi pra narrar que um ou outro negro pobre chegou à Daslu, suado, depois do trabalho, para prestigiar o lançamento do livro do Bill e foi fulminado pelo olhar do segurança. Que livro, que nada, né gente? O pobrezinho foi lá para conhecer a Daslu por dentro, chance única e imperdível.

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