White privilege and corpos que importam: como falar de coisas invisíveis?
*Texto crítico publicado na revista Barril http://www.revistabarril.com/edicao10
Por Val Souza
Por Val Souza
Como diria um amigo
meu, quero iniciar este texto dizendo que vou cruzar tanta informação aqui que
vai precisar de uma auditoria externa pra vocês acharem a porra toda que eu
juntei pra dizer o seguinte:
Como falar de coisas
invisíveis: as performances de corpos de negros em cena, em ação?
No dia 14 de março
de 2017, participei, como ouvinte, da mesa conversa - Performance e Pensamento
Contemporâneo, que compunha a “VII Mostra de Performance: arte negra, imagem,
empoderamento e dissonâncias”. Um evento que envolveu mais de 30 artistas entre
exposição de fotos, vídeos e apresentação de performances na Galeria Cañizares;
ao meu ver, uma importante iniciativa, pois não compunha o que chamamos de
calendário festivo (maio - abolição da escravatura e novembro - consciência
negra), fruto do sublinhamento de corpos de negros na universidade e de suas
inúmeras maneiras de fazer e dizer em forma de arte.
Na mesa estavam
Ayrson Heráclito (UFRB), com a temática - Imagem Negra e Performance e Lucio
Agra (UFRB) – O que é Fazer Performance no Brasil, ambos estavam ali para
debater sobre o estudo da performance a partir do tema sugerido: arte negra,
imagem, empoderamento e dissonâncias (isso é importante não percam essa
informação!).
O professor Ayrson iniciou salientando o quanto ele estava feliz pelo evento e por ter sido convidado para compor a Bienal de Veneza, mas com um tom bem didático expôs que, na mesma proporção de sua alegria, também estava em alerta, pois todos ali presentes sabiam que não é todo dia que um artista baiano, que um artista brasileiro, que um artista negro e/ou que um artista nordestino era convidado para a Bienal de Veneza. Essa fala inicial é uma aula e por aí poderíamos continuar utilizando os corpos de negros como categorias de análise para obras estéticas e eu terminaria tranquila e feliz esta coluna. Mas, não! Esta aqui é a Treta e nada será como antes.
O evento continuou
com a fala do Prof. Lúcio Agra, que iniciou se autonomeando contra o
governo em exercício e bradando um: FORA … (aquele que não deve ser nomeado).
Durante sua explanação de especialista que é, ele propôs um recorte regional e
de raça (falar de performances e grupos do Sudeste e fora do Brasil prioritariamente
e de corpos brancos). Ao final e também por querer entender que raios ele foi
fazer ali, perguntei a ele: como as performances dos corpos de negros podem
contribuir para o pensamento em artes?
A resposta foi que
ele não poderia contribuir com a minha pergunta, pois ele não é negro, mesmo
tendo escolhido viver na "Roma Negra". Ora, meu caro, caso não tenham
te avisado, a mesa da qual você estava participando compunha a “VII Mostra de
Performance: arte negra, imagem, empoderamento e dissonâncias”. Seria no mínimo
educado que você estudasse um pouco para responder essa questão que me espanta
não ter sido o abre-alas de sua fala. É questão prévia de quando se vai a um
evento, estudar como se pode contribuir, etc. Pelo menos deveria ser, né?
Mas não, a branquitude, como lugar social do privilégio, não tem medo de
escancarar sua inflexão. E eu volto a perguntar: como falar de coisas
invisíveis, performances de corpos de negros, como convocatórias? As
performances de corpos de negros como convocatórias podem colaborar com o
pensamento em artes? Michelle Mattiuzzi, Rosana Paulino e Rubiane Maia foram
algumas das indicadas para o Prêmio Pipa 2017. O que elas têm em comum? Corpos
de Negras!
Corpos de Negras !
Corpos de Negras!
Corpos de Negras!
C
O
R
P
O
S
de
N
E
G
R
A
S
!
A fala do Prof.
Lúcio me lembrou que nos mês anterior, entre os dias 13 e 17 de fevereiro,
aconteceu na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, o “I Fórum
Negro das Artes Cênicas”, e já na mesa de abertura os alunos chegaram botando
ferro quente pra cima da passabilidade branca que impera na academia. Na mesa
01 - culturas negras, ensino, pesquisa e formação em artes cênicas - um convite
à reflexão, o professor Luiz Marfuz questionava como criar um currículo que dê
conta das questões da negritude? “Era a brecha que o sistema queria…”.
Rapidamente um aluno pega o microfone e diz: “que pergunta mais ingênua, heim,
professor? (viiiiiiiixe! iiiiiiiiié). Afinal, se estamos aqui nesse evento
escancarando a falência da academia em lidar com nossa presença, nossos corpos,
nossas estéticas, é porque tudo que vem sendo criado e pensado por vocês sem
nossa presença mostra o quanto nossos corpos são invisíveis e, para vocês, não
existem.
E a pergunta “como
falar de coisas invisíveis: as performances dos corpos de negros e o pensamento
em artes?” não quer calar, bem. Se o professor Marfuz tivesse acompanhado os
outros dias do fórum teria visto quando na
mesa “Negras Poéticas em Processos II: Cultura Negra - Poéticas e
Processos Criativos em Artes Cênicas”, uma pergunta dirigida a escritora
mineira Cidinha da Silva, poderia ser um pilar para o pensamento e/ou
construção de um currículo ampliado. Uma voz levanta a mão e diz:
“Cidinha, você poderia responder o que é que não pode faltar na sua
dramaturgia?”. Achei aquela pergunta incrível, haja vista que dois dias antes
nós estávamos num debate de como as experiências estéticas dos corpos negros
podem modificar e deslocar os discursos cênicos.
Calmamente, Cidinha explicou que existiam três coisas
fundamentais para ela e que não podiam faltar na escrita de sua dramaturgia:
dignidade para as personagens negras, complexidade humana e singeleza no olhar!
POOOOOOW!POOOWWW! POWWW!
POOOOOOW!POOOWWW! POWWW!
È
isso!!!
O que a academia e
os professores ainda não entenderam ou fazem questão de desentender é que o
currículo e a maneira como as escolas de dança, teatro, artes cênicas e belas
artes foram e continuam sendo pensados para atender a um público branco com
currículo branco que bebe de fontes e referências eurocêntricas. Essa
impossibilidade tanto do professor Lucio quanto do Professor Maffuz de enxergar
nossos corpos pretos, de negros e que de longe se vêem, denota a
impossibilidade - paradoxal - do sujeito negro como humano.
Ao entrarem nas
universidades, o que esses nossos corpos de negros estão fazendo é subverter
todas essas lógicas, é colocar em xeque toda uma estrutura e questionar um
lugar de produção e comunicação da arte, de um modo de fazer que invisibiliza
seus corpos. São militantes sim, esses negros, mas da criação, da
investigação, dos incômodos cinestésicos[1]
criados a partir da experiência de seus corpos de negros negados.
[1] O conceito: incômodos cinestésicos
faz parte da pesquisa: Como falar de coisas Invisíveis? Dramaturgias de vida
como convocatórias para as cenas de performances de mulheres negras, da autora e
pesquisadora Valdimere Pereira de Souza ou apenas Val Souza, mestranda do
Programa de Pós-graduação da Universidade Federal da Bahia UFBA, ligada ao
grupo de pesquisa Copornectivos sob a orientação de Carmen Patternostro
Schaffner .
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