Entrevista de Cidinha da Silva
Cidinha da Silva, a prosadora de seu tempo
“Eu me considero uma escritora de meu tempo por ser uma pessoa absolutamente conectada com o que estou vivendo e com o que está ao meu redor”. Interessada por literatura desde a infância, Cidinha da Silva sempre soube que queria escrever.
Formada em História pela Universidade Federal de Minas Gerais, publicou artigos acadêmicos sobre relações raciais e de gênero, mas só em 2006 iniciou sua carreira na literatura. De lá pra cá foram 12 livros publicados: oito de crônicas; três infanto-juvenis; um de poemas; e um de contos. O 13º será de contos, Um Exu em Nova York, e sai até o final de agosto.
No meio tempo entre a graduação e a publicação do primeiro livro, Cidinha, nascida em Belo horizonte, mudou-se para São Paulo para trabalhar na ONG Geledés – Instituto da Mulher Negra, na qual foi presidente. Em 2005 fundou o Instituto Kuanza, que desenvolve projetos nos campos da educação, comunicação, juventude e relações comunitárias.
Uma das características mais marcantes nos trabalhos de Cidinha é sua habilidade em tocar nas feridas sociais como racismo, machismo e LGBTfobia através da arte. Não que seu trabalho possa ser resumido exclusivamente a política, mas é inevitável questionar as desigualdades estruturais e estruturantes de nossa sociedade depois de ler uma crônica da escritora.
A convite de Jarid Arraes, Cidinha integra o conselho editorial do selo Ferina, da Editora Pólen, que promete ser um espaço para publicar mulheres diversas, respeitando a multiplicidade da identidade da mulher brasileira. Apesar de iniciativas como Ferina, a escritora acredita que o cenário para mulheres negras e LGBTs, tanto na literatura quanto em outras expressões artísticas, está mudando a passos lentos, e só acontece graças a o empenho das próprias mulheres.
Dreads criam certa irmandade mundo afora entre pessoas negras que partilham o sentido de raízes que crescem para o alto e para fora, derramam-se pelos ombros e costas, totalmente expostas ao sol.
Trecho do conto “Farrina”
Para Cidinha, os desafios que enfrenta por ser mulher, negra e lésbica são os mesmos enfrentados por aquelas que não estão no campo da literatura. Muitas vezes, diz ela, são até amenizados, justamente por ser artista. “Percebo os mesmos desafios enfrentados por negras e lésbicas de um modo geral, em um país racista, lesbofóbico e misógino como o Brasil. Não vejo questões específicas no ofício que exerço, existem facilitadores culturais, inclusive: uma lésbica escritora, por exemplo, tem uma vida menos difícil do que a de uma gari lésbica, uma policial militar, uma trabalhadora doméstica, uma cobradora de ônibus… Ou seja, a arte ainda oferece algumas válvulas de escape, possibilidades maiores de parcerias e um pouco de liberdade para existir e ser o que se é”.
Como cronista, gênero literário que mais explora em suas obras, a escritora é referência. A inspiração para muitas artistas também têm suas próprias referências nas mais diversas áreas: “Na literatura gosto muito de Carolina Maria de Jesus, Audre Lorde, Leda Martins, Elisa Lucinda, Paulina Chiziane, Ana Maria Gonçalves, Scholastique Mukasonga e Adélia Prado. Nas artes visuais, Lira Marues e Rosana Paulino são minhas inspirações. Já na música, curto Elizeth Cardoso, Clara Nunes, Dona Ivone Lara, Nana Caymmi, Maria Bethânia, Alcione, Joyce e Fátima Guedes”.
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